O Presidente Filipe Nyusi declarou em Adis Abeba que não percebe porque os países africanos continuam a ser pobres, embora tenham se libertado da escravatura. Uma das razões ignoradas por Filipe Nyusi, no caso Moçambique, é que “volvidos mais de 40 anos de independência, o partido libertador ainda apresenta um modus operandi muito semelhante ao do antigo colonizador, uma clara reprodução do sistema contra o qual lutou durante dez anos” explicou o académico Zefanias Matsimbe.
À margem da 32ª Sessão Ordinária da Conferência dos Chefes de Estado e de Governo da União Africana o Chefe de Estado moçambicano participou, em Addis-Abeba, de um evento de reconhecimento da passagem do 400º aniversário da abolição do comércio transatlântico de escravos onde constatou que: “É verdade que já não somos escravos, mas continuamos a ser pobres. Por isso, precisamos de perceber a forma de escravatura que nós estamos a enfrentar se deve a falta de capital humano, ou de aproveitamento pleno do nosso potencial, inteligência e recursos”.
Nyusi afirmou que os africanos são um único povo, “pelo que chegou a altura de fazermos uma reflexão e tentarmos perceber as nossas origens, onde estamos e onde queremos chegar” e admitiu que “as coisas não estão a avançar da forma como seria de desejar”.
Recuperando uma reflexão do professor Zefanias Matsimbe, do Departamento de Ciência Política e Administração Pública da Faculdade de Letras e Ciências Sociais na Universidade Eduardo Mondlane (UEM), é possível clarificar algumas das dúvidas do Presidente Filipe Nyusi.
“Os partidos libertadores e nacionalistas tomaram o poder com ambiciosos planos desenvolvimentistas, o que significa que, para além da conquista do poder, havia também a necessidade de dar outro formato aos novos Estados independentes (Dorman, 2006); contudo, eles acabaram por importar, de forma intacta, importantes práticas, rotinas e mentalidades da ideologia do Estado colonial (Young, 2004), aspectos contra os quais haviam lutado, como é o caso do uso da violência, o autoritarismo, a exclusão, a exploração do homem pelo homem, a ideia de existência de cidadãos de primeira e de segunda (os anti-sociais), a continuidade da existência de um inimigo interno (o anti-revolucionário), de entre outros”, escreveu o académico moçambicano.
“Partido libertador ainda apresenta um modus operandi muito semelhante ao do antigo colonizador”
Na reflexão inserida no livro “Desafios para Moçambique 2017” do Instituto de Estudos Sociais e Económicos (IESE) o professor Matsimbe constatou que: “A tomada triunfal do poder pelos partidos libertadores foi caracterizada por ambiciosas promessas desenvolvimentistas, com iniciativas de empreendedorismo estatal para acabar com o legado colonial de subdesenvolvimento. Nos primeiros anos de independência foi notório o esforço dos novos governos para estabelecer empreendimentos fabris ou industriais de vários tipos para uma rápida modernização da economia, o que criou expectativas de melhorias de condições de vida que serviram de força mobilizadora das massas para aderir ao projecto nacionalista e legitimar os novos governos (Ajayi, 1982; Young, 2004). Nkrumah, um dos grandes líderes visionários e nacionalistas da época, é citado a prometer tornar Gana um paraíso em dez anos a seguir à independência (Young, 2004). O sonho de melhoria de condições dos seus povos foi mais forte nos países que abraçaram a doutrina socialista, que viam na modernização das suas economias o propulsor do desenvolvimento.”
“Com o tempo, estas expectativas e este optimismo dos planos de desenvolvimento tornaram- -se uma desilusão. Uma das razões do falhanço do projecto progressista, na perspectiva de Ajayi (1982), é que a nova liderança dos Estados independentes tinha uma ideia muito clara sobre o que queriam eliminar, nomeadamente o jugo imperialista, a discriminação e exploração do homem pelo homem, mas faltava uma ideia sobre o tipo de sociedade a criar. Tinham apenas uma ideia bastante vaga de uma sociedade baseada nos conceitos de europeização e modernização”, explicou o professor da UEM.
Além disso, e no caso concreto de Moçambique, Zefanias Matsimbe referiu que: “Os libertadores de Moçambique foram invadidos por uma mentalidade neopatrimonialista caracterizada pelo assalto pela liderança do partido libertador aos recursos do Estado para premiar os que se mostrassem leais ao partido”, e por isso conclui que “volvidos mais de 40 anos de independência, o partido libertador ainda apresenta um modus operandi muito semelhante ao do antigo colonizador, uma clara reprodução do sistema contra o qual lutou durante dez anos”.
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