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quinta-feira, 19 de setembro de 2019

“Apóstolo da desgraça” indica solução para Moçambique “é o socialismo”

Foto do IESEO professor Carlos Nuno Castel-Branco, um dos “apóstolos da desgraça” que previu a crise económica e financeira que enfrentamos desde 2016, “profetizou” a solução para Moçambique sair da pobreza e caminhar rumo ao desenvolvimento: “a minha solução é a supressão do capitalismo, a minha solução é o socialismo”.

Há mais de uma década a pensar Moçambique o Instituto de Estudos Sociais e Económicos (IESE) criou uma nova referência para retratar a economia, contrariando os standards internacionais por sectores: industria, agricultura, etc. “Nós decidimos fazer uma coisa diferente, decidimos pensar como é que a economia funciona e tentar estruturar a análise em função disso em vez de tentar olhar para sectores”, declarou o economista e mestre e Ciências de Desenvolvimento Económico.

Carlos Nuno Castel-Branco disse que os economistas do IESE identificaram “a existência daquilo a que nós chamamos um núcleo extrativo da economia. É formado pelo complexo mineral e energético e pela produção de mercadorias agrícolas primárias para exportação, o qual recebeu nos últimos 15 anos 75 por cento de todo investimento privado, é responsável por 90 por cento das exportações de Moçambique, é responsável por 50 por cento da taxa de crescimento do PIB, emprega apenas 7 por cento da força de trabalho formal, menos do que 1 por cento da população activa”.

“À volta do núcleo duro da economia extrativa temos as infra-estruturas, os serviços adjacentes e o negócio imobiliário. As infra-estruturas e serviços adjacentes estão relacionados com a prestação de serviços a este núcleo duro e o negocio imobiliário é parcialmente a aplicação do capital concentrado e utilizado de forma não produtiva ou representa o aumento do consumo de classes mais ricas e também representa lavagem de dinheiro, mas tudo isso fazem parte destas dinâmicas de construção de uma economia de forte dominância de capital internacional, a dominar tanto as estruturas produtivas como as finanças, os factores de distribuição e o consumo. Este conjunto representa 15 por cento do investimento privado total, 5 por cento das exportações, 15 por cento da taxa de crescimento do PIB e emprega menos do que 1 por cento da população activa”, explicou.

Foto do IESE

Com esta introdução Castel-Branco e os seus colegas do IESE constataram: “temos 90 por cento de todo investimento privado em Moçambique, 95 por cento das exportações, 65 por cento do PIB a serem gerados por menos de 2 por cento da população economicamente activa, ou sensivelmente 15 por cento do emprego formal em Moçambique”.

“Nós somos parte desse capitalismo mundial”

O argumento para este tipo de análise é “permite responder a pergunta porque é que a medida que a taxa de crescimento da economia acelera a capacidade que a economia tem de reduzir pobreza diminui, porque a aceleração desse crescimento económico está concentrado neste tipo de actividade que não contribui para o emprego, para a distribuição ampla dos benefícios nem gera recursos novos para a economia em si, em especial aqueles que são importantes para a redução da pobreza”.

“Aqui não entra a produção de comida para o mercado doméstico para o mercado doméstico, é verdade que alguma da produção é comida (banana, açúcar, etc) para exportação mas a produção de bens básicos de consumo não entra aqui e isso implica que o custo de vida, sobretudo para as camadas mais pobres da população, aumente. Portanto além de não gerar emprego e rendimento também o custo de vida aumenta e a pobreza dificilmente reduz”, esclareceu.

Um dos académicos que profetizou a crise em que o nosso país está mergulhado, e juntamente com os seus pares do IESE foi apelidado pelo regime de “apóstolo da desgraça”, deixou claro que “o tipo de análise que nós desenvolvemos era para se tentar sair desta ideia que temos um Estado a falhar, um sector privado canibal e somos simplesmente vítimas do capitalismo mundial. Nós somos parte desse capitalismo mundial, fizemos uma escolha no quadro desse capitalismo mundial e num quadro das estruturas de acumulação de Moçambique. Essas escolhas também afectaram as opções que temos e os resultados que tivemos”.

“Quando nós iniciamos o processo de viragem, em termos de abordagem do desenvolvimento económico de Moçambique, e a questão da formação de uma burguesia nacional capitalista detentora de propriedade e empregadora de força de trabalho que se transformou no centro político, ideológico e filosófico do Estado o que o Estado fez neste período são duas coisas que fazem parte da abordagem neo-liberal de ajustamento estrutural da economia, por um lado são as privatizações por outro lado foi a liberalização”, recordou Castel-Branco.

“Expropriação do Estado foi de facto a privatização dos recursos estratégico”

Foto do IESEO académico moçambicano aclarou que “as privatizações permitiram passar activos do Estado a muito baixo custo para um amplo sector privado emergente em Moçambique, 80 por cento dos activos do Estado em empresas públicas foram vendidos para moçambicanos a preços bastante baixos, grande parte dessas empresas estavam falidas, e só 20 por cento do custo acordado entre o Estado e os proprietários foi de facto pago. Então o Estado deu um subsídio implícito de privatização transferindo recursos, transferiu activos a baixo custo, e em contrapartida não havia nenhum nenhuma forma estruturada de estratégia industrial e instituições que pudessem apoiar o processo de produção”.

“Com o incutir de Políticas Macroeconómicas e o seu impacto na organização dos objectivos da Política Monetária focada em controle de inflação impediram que o sector financeiro jogasse um papel mais dinâmico na condução do próprio desenvolvimento industrial. Portanto ao longo do tempo aconteceu o desenvolvimento de uma classe de proprietários, sem capital e sem uma actividade produtiva, isso é o resultado directo dessa combinação de privativação com liberalização sem uma estratégia industrial num contexto em que os activos privatizados em regra não estavam capazes de funcionar competitivamente”, argumentou ainda o investigador do IESE.

Carlos Nuno Castel-Branco assinalou que “a segunda época histórica da formação do capitalismo nacional foi a de atrair para a economia nacional grandes recursos externos, em forma de Investimento Directo Estrangeiro, em forma de créditos comerciais”.

“O primeiro passo foi o Investimento Directo Estrangeiro para isso era preciso tornar o capital interessado em Moçambique, isso implicou pôr à disposição desse capital aquilo que seriam recursos estratégicos do país nomeadamente minerais e energéticos. A segunda fase daquilo que nós chamamos a expropriação do Estado foi de facto a privatização dos recursos estratégico que são na verdade públicos, definidos pela Constituição e que o Estado era na altura o garante”, lembrou.

Mas o professor notou que “os investimentos necessários para fazer nesse projectos, as infra-estruturas etc, por um lado, eram muito grandes”, porém, ainda assim, “o Estado não só punha os recursos à disposição do capital mas tinha de agir para reduzir riscos e custos para esse capital, por outro lado havia o problema de como ligar esse processo de grande entrada de capital multinacional em Moçambique com a acumulação e formação de classes capitalistas nacionais”.

“O que o Estado fez não foi tentar regular esse processo, foi tentar promover esse processo

Castel-Branco assinalou também “uma terceira onda de expropriação do Estado que é marcada por aqui que nós chamamos a porosidade económica. Por um lado o Estado abordou o capital multinacional com sistemas de incentivos ao investimento que incluíam uma enorme proporção de redundância de incentivos, incentivos não necessários para as decisões de investimento, mas que eram moeda de troca para tornar esses processo de investimento estrangeiro em possibilidades de penetração de capital nacional”.

“De outro lado o Estado permitiu a financeirização dos recursos minerais e energéticos, dando ao capital grandes concessões que permitiram ao capital internacional negociar e revender parte das concessões, pagar os seus custos e recuperar uma parte em lucros independentemente de produzirem ou não, o exemplo mais flagrande foram as transacções que envolveram a Kenmare e a Rio Tinto no carvão”, trouxe à memória.

Para o economista: “Se as estruturas produtivas em Moçambique são construídas à volta do interesse da acumulação de capital internacional o qual está focado em recursos minerais e energéticos, no que diz respeito ao nosso caso, então este é o tipo de economia que vai emergir. E se a possibilidade de fazer a acumulação primária doméstica está relacionada e subordinada a esse capital internacional é normal que os capitalistas domésticos, capitalistas no sentido de acumulação de capital mesmo que seja espectulativo e rendeiro, se concentrassem à volta desse tipo de actividade. Era normal que o sector financeiro também fosse estruturado por esse tipo de dinâmicas”.

“O ponto para nós não é que temos capitalistas incompetentes, canibais, etc, é que temos capitalistas que o contexto histórico permitiu ter no caso moçambicano dadas as opções que também foram seguidas e as estruturas económicas existentes. O ponto não é que o Estado não tem capacidade de regular, o que o Estado fez não foi tentar regular esse processo, foi tentar promover esse processo. Promover um processo de auto-expropriação para se tornar disponível para o capital, e a dívida pública é parte disso”, clarificou Carlos Nuno Castel-Branco.

O professor enfatizou que o “grande endividamento nacional dos últimos 10 anos, ele está ligado a explosão da dívida comercial que está relacionada com Garantias a dívidas privadas para investimento nas infra-estruturas para o sector mineral e energético e com pagamento de dívidas do passado. O processo de endividamento público é lógico dentro de dinâmicas de acumulação de capital. Ser lógico não quer dizer que seja sustentável, não quer dizer que seja o melhor caminho, quer simplesmente dizer que é a lógica histórica”.

“A minha solução é a supressão do capitalismo”

De acordo o investigador do IESE “estas coisas combinadas resultaram numa economia que está em contínuos processo de boom e bust, expansão e crise, e o que cria a expansão é o que cria a crise”.

Foto do IESE“Mas isso não é novo na economia de Moçambique, quando nós olhamos para a estrutura da economia colonial, na altura em que começa a expansão daquilo que o capitalismo colonial chamou a indústria de substituição de importações, nós vemos exactamente o mesmo tipo de problemas, boom e bust, há uma expansão rápida, aumento de uma produção dependente de importações ou de uma economia que sustenta isso com base em produtos primários, mas a capacidade de sustentar o crescimento é completamente decidida por aquilo que acontece no mercado de produtos primários (commodities), o que a economia vai fazer, vai seguir as tendências e os padrões de instabilidade e da sua capacidade de financiamento”, recordou novamente Castel-Branco.

O académico relembrou que processo similar “reproduziu-se depois da independência e agravou-se nos dois momentos de tentativa de ruptura com isso: um foi o PPI (Plano Prospectivo Indicativo), nos princípio dos anos 80, nós observamos uma expansão de investimento durante 2 ou 3 anos, seguido por um colapso profundo, porque a economia se esgotou nesse processo; o outro foi o segundo mandato do Presidente Guebuza em que a entrada de capital externo em Moçambique aumentou dez vezes e resultou numa economia que expandiu em bolha, o endividamento foi sustentado numa expectativa sobre futuros rendimentos e sobre futura capacidade desses rendimentos serem mobilizados para pagar dívida”.

“Os capitalistas financeiros internacionais não estão muito preocupados com o assunto, em primeiro lugar porque a dívida moçambicana é enorme para nós mas não é tão grande para eles, em segundo lugar porque eles associaram esse processo de endividamento ao controle dos recursos naturais, portanto não pior das hipóteses para eles ficam com o nosso gás, na pior das hipóteses para nós ficamos sem gás e com dívida pública”, concluiu o académico moçambicano.

Carlos Nuno Castel-Branco entende que a tarefa dos académicos, investigadores e intelectuais não é “apenas entender o mundo, é sobretudo nossa tarefa transformar o mundo” e por isso deixou a sua solução para os desafios de Moçambique: “A minha solução é a supressão do capitalismo, a minha solução é o socialismo, a minha solução não é salvar o capitalismo”.



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