Neste sábado (11) o nosso país deveria celebrar 130 anos desde que as suas fronteiras foram traçadas: “A linha contorcida de Moçambique moderno, fechada num abraço com os antigos territórios da África Central Britânica, não representa qualquer consequência racional da necessidade de um estado moderno, mas imortaliza o momento do dia 11 de Janeiro de 1890, em que a música cessou e os missionários, aventureiros, cônsules, pesquisadores de concessões, caçadores brancos e de toda a ralé das “partes interessadas” ficaram imobilizados em posturas que um tratado internacional não tardaria a tornar inalteráveis”.
Compulsando a história ensinada nas escolas, primária e secundaria, o nosso país foi delimitado na Conferencia de Berlim, em Fevereiro de 1885. Nas efemérides oficiais Moçambique nasceu apenas a 25 de Junho de 1975. No entanto a Cidade de Maputo celebrou no ano passado 132 anos, Beira 112 anos, Nampula 63 anos e a Ilha de Moçambique celebrou 201 anos!
O @Verdade apurou que: “A linha contorcida de Moçambique moderno, fechada num abraço com os antigos territórios da África Central Britânica, não representa qualquer consequência racional da necessidade de um estado moderno, mas imortaliza o momento do dia 11 de Janeiro de 1890, em que a música cessou e os missionários, aventureiros, cônsules, pesquisadores de concessões, caçadores brancos e de toda a ralé das “partes interessadas” ficaram imobilizados em posturas que um tratado internacional não tardaria a tornar inalteráveis”.
“Se o estado de Moçambique surgido das posteriores incluía as antigas cidades do Litoral e o Zambeze que fora português ou estivera sob influencia portuguesa desde o século XVI, as suas fronteiras internas reflectiam as actividades mais recentes dos aventureiros e caçadores de concessões. Os acontecimentos mais decisivos dos cinco anos anteriores tinham sido a celebração com o êxito do Tratado de Augusto Cardoso a leste do lago Malawi, em 1885, e dos Tratados de Buchanan e Johnston celebrados a ocidente e sul em 1889, o fracasso de Andrada e Sousa na ocupação do norte do território dos Machonas quando o seu exército irregular foi derrotado em Mtoko, em 1887, e o êxito dos aventureiros portugueses por oposição aos britânicos na conquista da sensibilidade e de parte da confiança de Gungunhana durante os cinco primeiros anos do seu reinado. O traçado final das fronteiras, porém, iria apresentar-se repleto de dificuldades, e, numa determinada fase, em meados da década de 1890, pareceu que a música iria recomeçar a reactivar-se o corropio de aventureiros e caçadores de concessões”, conta o historiador inglês Malyn Newitt no seu livro “História de Moçambique”.
Portugal tentou criar sector entre Angola e Moçambique que fosse administrado conjuntamente com a Grã-Bretanha
Newitt relata que: “A reacção portuguesa imediata ao ultimato foi procurar o apoio de outras potências europeias para um processo de arbitragem, invocando o Artigo 12º do Tratado do Congresso de Berlim. Lord Salisbury recusou desde logo qualquer concordância, lembrando sem dúvida o resultado da arbitragem da baía de Delagoa que achara favorável a Portugal, mas a discussão do assunto atrasou as negociações sobre a fronteira até Abril, altura em que se entabularam conversações bilaterais em Lisboa. Tendo falhado a obtenção de arbitragem, Portugal tentou manter vivas as suas aspirações a um prolongamento contínuo do território através de África e propôs em Maio a criação de sector entre Angola e Moçambique que fosse administrado conjuntamente pela Grã-Bretanha e por Portugal.”
“É importante a política destas propostas. A sobrevivência do governo português e de todo o regime monárquico tinha sido ameaçada pelo ultimato. O governo não estava em posição de estabelecer compromissos, muito embora soubesse que não conseguiria fazer frente a uma potencia como a Grã-Bretanha, que resolvera gerar polémica com a demarcação das fronteiras da África Central. Por conseguinte os Portugueses avançaram propostas que sabiam irem ser recusadas e aguardavam que lhes fosse imposta a solução da Grã-Bretanha. O governo britânico encontrava-se sob pressão da British South African Company, de Rhodes, que se preparava para ocupar o território que lhe fora concedido por decreto e estava ansioso por que, se possível, nenhuma zona da alta savana a sul do Zambeze viesse para Portugal”, explica o historiador que escreveu mais de 20 livros sobre Portugal e as colónias africanas.
“Portugal pouco mais era do um estado-cliente da Grã-Bretanha”
Malyn Newitt refere que: “A 20 de Agosto de 1890, foi assinado um tratado que concedia à Grã-Bretanha as Terras Altas do Shire e a alta savana do território dos Machonas, muito embora deixasse as terras altas de Manica na esfera de Portugal. Zumbo foi reconhecido como o ponto mais ocidental da influencia portuguesa no Zambeze; para lá dele ficaria a faixa de território britânico, apesar de Portugal ter direitos especiais numa faixa ao longo da margem norte do rio onde poderia construir estradas e caminho-de-ferro e erguer linhas de telégrafo. O tratado estava mais preocupado com a liberdade de comércio e direitos de trânsito, que havia provocado tensões diplomáticas na década de 1880, e Portugal preferiu não alienar qualquer parte do seu território a um terceiro país sem o consentimento da Grã-Bretanha. Por último, Portugal deveria arrendar território à Grã-Bretanha em Chinde, na foz do Zambeze, para a construção de um porto, e concordou em criar um linha férrea desde a foz do Púnguè até ao território sob protecção. O tratado ameaçava arrancar de um modo grosseiro a parra que cobria o facto embaraçoso de que Portugal pouco mais era do um estado-cliente da Grã-Bretanha.”
“Nos oito meses subsequentes ao ultimato tinham-se verificado idas e vindas extraordinárias na África Ocidental. Muito embora Salisbury exigisse que os portugueses se abstivessem de actividade nas zonas sujeitas a negociação, ninguém impediu Rhodes e os seus agentes de levarem por diante as suas actividades. Alfred Sharpe percorreu o Luangwa mas encontrou toda a região sob o chicunda português e uma bandeira portuguesa hasteada no território dos Mpezenis. Em Junho, a “Coluna Pioneira” de Rhodes entrou no território dos Machonas e Colquhoun e Jameson foram enviados respectivamente para celebrar tratados em Manica e estudar um percurso até a costa. Encontraram em todos os pontos das terras altas de Manica vestígios da presença e actividade de pesquisadores ou funcionários ao serviço da Companhia de Moçambique. Em Junho, os portugueses criaram uma guarnição na junção do Kafue e do Zambeze, e em Agosto partiu uma expedição à região da Lunda. Porém, as tentativas portuguesas de estenderem o seu sistema de tratados para leste do lago Malawi caíram por terra quando Valadim e a sua expedição se malograram às mãos do chefe Mataka. Entretanto, Buchanan reforçou a soberania britânica nas Terras Altas do Shire através do método improvisado de execução de dois cipais portugueses. Na foz do Chinde, canhoneiras portuguesas incapazes de navegar devido a sabotagem dos motores, tentaram enfrentar um navio topográfico britânico, que respondeu disparando os seus canhões. Durante o que foi, na verdade, uma suspensão do direito internacional, os “homens no local” entretiveram-se a posicionar-se e aproximar-se cada vez mais de acções que poderiam ter provocado um incidente grave”, narra o historiador inglês.
Cecil Rhodes tenta garantir o máximo território possível para a Chartered Company e criar um corredor até ao mar
O professor na universidade King's College de assuntos portugueses e africanos conta ainda que: “Em Setembro, a questão começou a tornar-se mais séria. O governo português, incapaz de obter a aceitação de um tratado nas Cortes, demitiu-se a 16 de Setembro, o Almirantado ordenou que uma canhoneira britânica subisse o Zambeze e chegaram notícias de um acto de pirataria por parte de Cecil Rhodes. A 15 de Setembro, alguns dos soldados de Rhodes prenderam Andrada e Manuel António de Sousa na capital de Mutasa e passaram a ocupar Mesekesa. Rhodes tencionava aproveitar-se do hiato diplomático e da rejeição, por parte de Portugal, do tratado de partilha para garantir o máximo território possível para a Chartered Company e, se viável, criar um corredor até ao mar. A possessão em África, reflectiu ele, eram nove-décimos da lei, e previa que Salisbury, que antes fora instigado e espicaçado eficazmente por Buchanan e Johnston na zona do Shire, se revelasse igualmente instigável em Manica.”
“Todavia, os “homens no local” tinham sido demasiado lentos. A 14 de Novembro, Portugal e a Grã-Bretanha assinaram um acordo provisório (um modus vivendi) que vigoraria durante seis meses, aceitando os limites territoriais do tratado de Agosto, até uma resolução definitiva da fronteira. A Chartered Company resolveu ficar no mesmo sitio e recusou-se a evacuar o território “português”, e as duas tropas ocupavam ainda Masekesa em Dezembro”, pode-se ler no livro que é uma raridade em Moçambique.
Malyn Newitt descreve que: “Durante o principio de 1891, os portugueses tentaram reunir uma expedição para enviar a Manica, enquanto Rhodes mandava um grupo armado ao Púnguè para abrir uma estrada do mar até a alta savana. Quase todos os dias se registava alguma confrontação entre o pessoal da Chartered Company e os Portugueses, e a Companhia exigiu então alto e bom som uma intervenção do governo britânico para vingar os insultos à bandeira. O incidente mais grave deu-se em Maio de 1891, quando tropas portuguesas e da Chartered Company se envolveram em Masekesa. Após um pequeno recontro, os soldados da Companhia perseguiram os portugueses em debandada até à costa. A 29 de Maio, parecia iminente um segundo combate quando um emissário do Alto-Comissário Britânico na África do Sul ordenou inequivocamente às forças da Chartered Company que se retirassem.”
Nova fronteira incluiu reino de Gungunhana na esfera portuguesa
“A 28 de Maio de 1891, a Grã-Bretanha e Portugal acabaram por assinar um tratado que vinha de alguma forma alterar os termos aceites no ano anterior. Os acontecimentos em Manica tinham-se reflectido numa nova fronteira que acompanhava a linha da escarpa e deixava a capital de Mutasa do lado britânico da linha e Masekesa do lado português. A demarcação inicial do Shire e região do lago não foi alterada, mas Portugal tinha motivos para estar satisfeito, pois o reino de Gungunhana era reconhecido finalmente como pertencente à esfera portuguesa, enquanto os extensos territórios a norte do Zambeze, há muito ocupados pelos chicundas portugueses, eram também incluídos em Moçambique. Através de uma cláusula secreta do tratado, a pedido de Portugal, a Alemanha era nomeada a potencia que arbitrária quaisquer desinteligências. A satisfação derradeira para Portugal terá sido a ira de Rhodes ante uma delimitaçãoo que realmente tirava o tapete de baixo da sua guerra de corso territorial”, expõe o livro “História de Moçambique”.
Malyn Newitt conclui o capítulo do livro, sobre a delimitação das fronteiras, que até hoje conhecemos no nosso país, narrando: “Assim, Moçambique emergia finalmente das propostas e contra-propostas avulsas, das reivindicações sonoras de aventureiros e do emaranhado de mapas, Cor-de Rosa ou outros. Sem dúvida as suas fronteiras refrectiram em certa medida a evolução histórica da região. Os antigos portos marítimos de Ibo e Quissanga a norte de Inhambane e Lourenço Marques, no sul, tinham sido incluídos no novo estado com grande parte do comercio interior de que dependiam. Contudo, a baía de Delagoa ficou muito desligada do seu interior e manteve-se isolada e quase um enclave no Estado Sul-Africano que despontava. No Zambeze, os antigos territórios dos prazos foram incluídos em território português, tal como o interior de Sena no Barué e Manica. Tete e Zumbo viram o seu interior setentrional incluído, mas a zona a sul limitada aos braços inferiores dos rios Mazoe e Ruenha. As regiões a oeste de Zumbo perderam-se. A forma final do país apresenta três saliências – Tete e Zumbo, rodeados em três lados pelo território britânico, a saliência britânica nas Terras Altas do Shire rodeada por terra lusa; e a saliência que engloba o porto de Lourenço Marques, avançando para sul no território sul-africano. Moçambique estava encravado na África Central e do Sul Britânica, qual peça de um quebra-cabeças –peça essa que ostentava cada vez mais a imagem do empreendimento financeiro e do interesse imperial britânicos.”
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