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sábado, 19 de maio de 2012

Reflectindo sobre Moçambique:

Reflectindo sobre Moçambique
Um blog que tenta trazer actualidade política de Moçambique para os moçambicanos e amigos de Moçambique vivendo fora do país. Este é também vosso, por isso tem o título "Reflectindo sobre Moçambique". É um dos espaços para debate e comentários. Os vossos comentários são bem vindos.
May 19th 2012, 14:45

Normalmente as leis têm dois aspectos a ter em conta: a letra e o espírito. Sendo que é de desejar que esses dois aspectos conduzam aos mesmos resultados. O que nem sempre acontece.


E creio que não aconteceu agora, no caso da eleição, na Assembleia da República, do dr. José Abudo para Provedor de Justiça.

Mas vamos lá tentar explicar, numa curta crónica jornalística, complexos conceitos de Direito, de forma a poderem ser acessíveis a leitores comuns.
A letra da lei é aquilo que lá vem escrito, aquelas palavras, aqueles parágrafos, aquelas alíneas. O espírito é aquilo que o legislador pretendeu, ao elaborar aquela lei. E quanto mais a letra obedecer ao espírito, melhor.
Ora, neste caso do Provedor de Justiça, temos a indicação de que a lei (neste caso a Constituição, que é a lei-mãe de todas as outras leis) exige que o Provedor de Justiça seja eleito por mais de dois terços dos deputados do Parlamento. E porque será isso? Porque é que não basta uma maioria como para todas as outras leis?
Creio que é fácil de perceber que esta exigência se destina a conseguir que o Provedor de Justiça seja uma pessoa que goze de uma aprovação generalizada, que seja uma figura de consenso.
Na verdade a situação em que se encontra agora a nossa Assembleia da República, em que a bancada da Frelimo tem mais de dois terços dos 250 deputados, é um caso raro. Poucas vezes acontece nas democracias modernas.
Portanto, o legislador, ao exigir a maioria de dois terços, estava a tentar obrigar as várias bancadas a negociar para conseguirem uma figura de consenso, que não poderia ser eleita pelos deputados de um único partido. De preferência uma figura sem vínculos fortes a um determinado partido.
E creio que foi esta exigência que fez com que o Provedor de Justiça não tenha sido eleito no primeiro mandato parlamentar desta Constituição. Nenhuma bancada tinha, sozinha, os dois terços requeridos e a Frelimo não estava interessada em levar o assunto a debate, sabendo que teria que negociar com a oposição o nome da pessoa a eleger.
Agora, com a confortável maioria de dois terços, já permitiu que o assunto seguisse os seus trâmites, sabendo que iria poder eleger quem bem lhe apetecesse.
E o resultado foi o que se viu: Mais uma personalidade claramente vinculada ao partido Frelimo a ocupar um lugar que deveria ser de alguém acima das disputas partidárias. Alguém que não vai ser, muito provavelmente, um árbitro neutro mas sim mais um jogador de uma determinada equipa, esforçando-se sempre pela vitória dessa sua equipa.
E isto foi conseguido obedecendo à letra mas, creio eu, não ao espírito da lei.
Obviamente me parece que o dr. Abudo não tem o perfil que se desejaria para um Provedor de Justiça. Será portanto, na minha modesta opinião, mais um cargo para dar uso a um gabinete, trabalho a uma série de colaboradores, provavelmente veículo protocolar e, não tenho grandes dúvidas, batedores motorizados com megafones para exigir que os outros carros se afastem para ele passar.
Tudo isto, é claro, pago pelos nossos impostos.
Assim vão as coisas nesta nossa tão peculiar democracia…

Fonte: Savana – 18.05.2012

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