Contrariamente à tradição, realizar o evento em Setembro, este ano as Ocupações Temporárias migraram para Dezembro. Desta vez, a iniciativa que se revela uma plataforma de eternas novidades – no aspecto da produção e promoção das artes – decorre sob o mote Estrangeiros. Quem diria que o nosso nacionalismo é uma precariedade sempre presente? "Há um território estrangeiro no território nacional". Ocupe-se nisso e descubra-o até o final das festas do natal...
Se por qualquer motivo alguém pronunciasse, entre nós, Rui Tenreiro, João Petit Graça, Tiago Correia-Paulo, Sandra Muendane, Eugénia Mussa, Paulo Capela – e/ou quaisquer outros substantivos –, provavelmente, a primeira impressão que ficaria é de que se trata de cidadãos comuns, o que não está errado.
A diferença, porém, reside no facto de que – além de todas as particularidades que os tornam pessoas comuns – estas personalidades possuem outros atributos que os distinguem conferindo-lhes uma singularidade aurífica: todos são artistas e possuem pronunciada experiência de vivência como Estrangeiros.
Ao constatar que o tema dos Estrangeiros, algo simplesmente ténue e inevitável, estava em voga em Moçambique, Elisa Santos, a ideóloga das Ocupações Temporárias, não resistiu à sua premência o debate que se pretendem estimular e desenvolver por meio de um movimento de arte contemporânea que não pára de evoluir.
Na concepção das Ocupações Temporárias (que este ano se realizam pela terceira vez consecutiva) Estrangeiros são pessoas que se formaram fora do seu país de nascença – as quais, passados muitos anos, ao retornarem às origens, têm de se reinserir devido a uma estranheza que se manifesta na medida em que têm de trabalhar no sentido de se readaptarem e reintegrarem – num meio social que se lhes apresenta novo – devendo, inclusive, conquistar a confiança dos seus compatriotas. O problema é que tornam-se Estrangeiros da sua própria nação.
Entre os nomes apontados, com a excepção do mestre Paulo Capela, um homem essencialmente bantu, cuja nacionalidade se confunde entre a angolana e congolesa – estudou no Congo e vive em Angola –, expressando-se nas línguas kikongo, francesa e portuguesa a partir das quais – como Elisa Santos enfatiza – sublima os valores da paz, da união e unificação dos povos independentemente da questão das raças, os demais artistas são moçambicanos.
Com sub-temáticas simplesmente autênticas, dentro do grande mote dos Estrangeiros, as Embaixadas – estas instituições estrangeiras que se encontram num território nacional – são o espaço de eleição para a realização das Ocupações Temporárias deste ano, em Maputo.
Nas Embaixadas...
Conservando o seu conceito de tradição, a promoção da arte em espaços públicos, as Ocupações Temporárias de 2012 conduziram a sua pretensão – colocar a arte à disposição de quem, por diversos motivos não tem acesso – ao extremo e "invadiram" o território das Embaixadas.
Referindo-se àquelas instituições diplomáticas, Elisa Santos considera que "há um território estrangeiro no território nacional". Mas os estereótipos do mote dos Estrangeiros trespassam a dimensão da necessidade de migração, do pedido de visto, do contacto com o território alheio e das demais burocracias que daí surgem.
Há vezes em que, tendo nascido em Maputo, por exemplo, "determinada pessoa pode ser forasteira na cidade de Nampula – que é uma região do mesmo território nacional – muito em particular quando não tiver o domínio da língua local, das regras do protocolo, das tradições, das práticas e rituais de gente autóctone", esclarece Elisa Santos que nos remete à necessidade de pensarmos como tudo isso molda a nossa construção social em relação ao outro.
Como tal, fiel a toda uma tradição que este movimento edificou ao longo dos três anos, as Ocupações Temporárias deste ano objectivam desmontar o tema dos Estrangeiros ou, no mínimo, abordá-lo não no sentido literal – entendido como a questão das migrações, os problemas que derivam da chegada dos Estrangeiros num destino impactando nos tópicos do desemprego/emprego, a habitação, natalidades e mortalidades – sob pena de desenvolver uma discussão imediata. "O foco é falar sobre as estranhezas que temos em nós e que construímos no nosso quotidiano, na medida em que nós mesmos é que produzimos os outros Estrangeiros", reitera.
Reconheça-se, então, que as Ocupações Temporárias se impõem como um movimento que desperta o sentido de arte adormecido nos mais atarefados cidadãos, indo, inclusive, ao encontro de outros que nunca antes se haviam imaginado a apreciar criações artísticas.
O mais importante que existe nesta iniciativa, algo de espectacular, é o estímulo que se engendra para o exercício das relações entre pares que não são de costume. Ou seja, "não é habitual para um cidadão comum entrar no museu da anatomia, ou apresentar-se no jardim da Embaixada sul-africana a fim de apreciar obras de arte". Nisso, as Ocupações Temporárias desempenham um papel essencial.
Aliás como Elisa Santos – a pessoa que a par de uma pequena mas dinâmica equipa de produção se encarregou de idealizar e materializar as Ocupações Temporária desde 2010 a esta parte – considera, "é muito difícil fazer uma exposição de artes em instituições desta natureza devido à complexidade do sistema burocrático que possuem. Disso resulta que haverá cartas que se escrevem e não são respondidas, há pessoas que no imediato não estão despertas para o assunto e, por isso, protelam o seu tratamento, mas mesmo assim não posso dizer que, no fim, as pessoas aceitaram o desafio".
Todos somos Estrangeiros
Reconhecendo a hipersensibilidade dos artistas, Elisa Santos postula que será este sentido que lhes possibilita anteciparem-se a abordar assuntos e realidades perante os quais muitos de nós nos ressentimos depois.
É inevitável! Santos não consegue escudar em si que as Ocupações Temporárias de 2012 são um mealheiro de surpresas. No entanto, manifesta um altruísmo sempre necessário para quem aprecia as artes. Diz-nos, por exemplo, que "não gostaria de revelar muitos aspectos sobre as peripécias que se irão desenrolar nas Ocupações". Os seus motivos, ao que tudo indica, não são triviais: "estimaria imenso que as pessoas se atrevessem a ir testemunhar de forma ocular".
Uma "Viagem ao centro de capricórnio", "Oyoh-Oyoh", "Outra moda é possível" e "Fata Morgana", entre outros, são os temas que – nas obras de Rui Tenreiro, João Petit Graça, Sandra Muendane e Eugénia Mussa – se procuram discutir.
Em relação ao primeiro tópico, cuja obra estará exposta na Embaixada do Reino da Noruega, Elisa Santos – que insiste na ideia de que em algum momento todos somos Estrangeiros – explica os mecanismos que devem seguir para poder apreciá-la. "O cidadão terá de entrar na Embaixada, no horário normal de atendimento, e dizer que pretende visitar a mostra de arte, devendo identificar-se normalmente, a fim de lhe ser indicado o local onde a mostra Capricórnio decorre". Ou seja, "está-se diante de uma proposta perante a qual, a pessoa, mesmo que nunca tenha entrado numa embaixada se predisponha a passar pelo processo de ser estrangeiro para vê-la".
No cômputo geral, serão três Embaixadas – a do Reino da Noruega, de Portugal e da República da África do Sul – que irão acolher as Ocupações Temporárias incluindo o Aeroporto Internacional de Maputo, o Restaurante e Pastelaria Cristal e algumas ruas da cidade de Maputo, até o dia 27 de Dezembro.
Um património gerado
Talvez no futuro – o que a produção receia perspectivar – as Ocupações Temporárias decorram num formato diferente. Porventura, como actualmente as artes não têm sido apoiadas, não se fala de impacto económico, e receia-se em relação à falta de financiamento. A verdade é que apesar de as Ocupações terem surgido e se mantido num contexto de crise financeira elas geraram – durante o tempo em que existem – um património de que os moçambicanos se devem orgulhar: "há 16 criadores de arte envolvidos no movimento, cujo trabalho foi divulgado e promovido; gerou-se uma experiência de produção de um evento que se impõe como um conceito próprio; existem opiniões, conhecimentos que se tornaram fecundas em torno da iniciativa. É esta a plataforma que deve frutificar – originando novos resultados – rompendo com ideias estanques de que em dada ocasião do ano se deve realizar esta iniciativa".
As Ocupações Temporárias são uma iniciativa que se não quer admitir autêntica pela realização e promoção da arte no espaço público – como o fazem –, "mas pela expressão de trabalho, de teimosia e da fidelidade a uma ideia, aos princípios que norteiam os discursos da equipa executora". Qualquer cidadão que se recordar da forma e do contexto em que esta iniciativa se engendrou ver-se-á impelido a reconhecer tal facto.
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