O último grande acontecimento do ano que terminou foi, sem dúvidas, o informe do Chefe de Estado sobre a Nação. Armando Guebuza disse, entre outras coisas, que "a existência de recursos naturais não significa em si, desenvolvimento. Não significa riqueza. A descoberta de recursos naturais é uma promessa de desenvolvimento. É uma promessa de riqueza que ainda precisa de ser realizada". Não podia estar mais certo o mais alto magistrado da Pérola do Índico.
Nós concordamos, mas desconfiamos dessa promessa e não cremos que a mesma seja realizável. Ainda que, numa perspectiva discursiva, o argumento do Presidente tenha lógica. No entanto, um órgão como o nosso, que admira o Chefe de Estado, não pode deixar de esclarecer ao mesmo os seus equívocos e contradições, sobretudo quando tal órgão ama mais o país do que o Presidente da República. Os presidentes passam, mas o país fica, é bom que se diga.
Portanto, um amor como o nosso não pode engravidar o silêncio. Temos a obrigação de desmontar as falácias que estão escondidas nas figuras de estilo de Armando Guebuza.
Comecemos: os críticos dos megaprojectos não querem que o Governo ande por aí a distribuir dinheiro. Nunca disseram isso. Como também jamais proferiram que a riqueza terá de ser imediata. Disseram, isso sim, que a forma como o país estabelece a relação com tais megaprojectos prejudica radicalmente os cidadãos da Pérola do Índico. Disseram, também, que não havia - e nunca houve - necessidade de criar incentivos fiscais para os mesmos. O que está errado não é - que fique claro - a exigência do tempo presente Senhor Presidente.
O que está errado é o facto de estarmos a reter menos do que 4 porcento das receitas brutas dos megaprojectos. O que está errado é o facto de não termos pensado em mão-de-obra qualificada. Isso é que está errado. O nosso aproveitamento mínimo das possibilidades que estes grandes empreendimentos representam.
Há, diga-se, muitas nuvens sobre o assunto. Ou seja, não há, de forma alguma, transparência no que diz respeito à gestão dos nossos recursos. O Presidente serve-se do exemplo de um camponês que semeia milho para justificar o facto de não sermos, hoje, menos pobres do que outrora. Esquece, contudo, quando recorre ao brilhante exemplo que o processo de produção do camponês é absurdamente transparente. É demasiado previsível para esconder as nuvens de imprecisões e gerar comissões chorudas que passam ao lado de quem realmente sofre.
O camponês e a sua família sabem o que podem e devem esperar do resultado do trabalho deste ao contrário do que podem esperar os habitantes do país de auto-estima.
Senhor Presidente, seria redundante olhar para o estado das vias de acesso para escamotear a verdade do retrocesso no seu rosto. Esse é uma vergonha da qual pretendemos poupar o mais alto magistrado da Nação. Nem lhe vamos falar do facto de o país continuar a produzir pobreza. Isso não será, de forma nenhuma, chamado ao debate. Até porque não importa. Não lhe vamos falar, também, do carro do seu filho. Não interessa, o filho é seu e o carro é dele. E se não há, no país, estradas para máquina tão potente e cara, a culpa, certamente, não é nossa.
O que não concordamos, já o dissemos, é com a falácia de que estamos melhor. Senhor Presidente, nós medimos o nosso nível de vida pelos produtos na dispensa e comida no prato. Não somos economistas para brincar com números e gritar para o mundo que estamos a crescer. A nossa forma de calcular progresso Senhor Presidente é como a do camponês. Olhamos para o transporte, os medicamentos e a alimentação.
Se isso tudo está difícil de adquirir. Se o salário não chega ao final do mês. Se temos de fazer grandes acrobacias para enganar o estômago, não precisamos de números para saber no que nos tornamos. O país não está bem. Veja os médicos Senhor Presidente. Não foram trabalhar e nós vamos morrer. E o Senhor sabe disso. Ou não sabe?
Mais uma coisa, Senhor Presidente. Acredita mesmo que um informe prenhe de nada fará pender a balança da razão para o lado de quem governa? Nós não acreditamos. Afinal - melhor do que qualquer acrobacia intelectual engenhosa construída para pintar o país de rosas - o povo sabe o que vive.
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