Há mortes que deixam saudades e há mortes que não deixam saudade, e não só, há mortes que são tidas como destino e bênção da própria vida, pois essas não deixam saudades. Por seu turno, há aquelas mortes que mutilam a vida duma sociedade e deixam uma chaga aberta nas famílias, pois essas são inesquecíveis e deixam saudades.
Na quinta-feira do dia 17 de Novembro de 2016, os moçambicanos receberam a notícia de que 56 pessoas morreram na província de Tete, no distrito de Moatize, localidade de Caphiridzange, em resultado do incêndio de um camião-cisterna.
Nessa tragédia, a mais de 90 pessoas ficaram feridas. Mas até dia 23 de Novembro, pelas 8horas quando sintonizei o meu pequeno rádio, sobretudo na voz de “Manuel Cardoso”, tive a notícia de que o número de mortos havia aumentado de 56 para 83.
De salientar que esta é a segunda tragédia que assola a província de Tete, a primeira ocorreu em 2015 que resultou na morte de 75 pessoas. Me parece que este ano o número foi tão sofisticado em relação a do ano passo.
E, em consequência dessas duas tragédias, escuta-se vozes de alguns irmãos moçambicanos a proferirem comentários supersticiosos. Alguns afirmam que há protagonistas humanos que se beneficiam pelas mortes trágicas que ocorrem na província de Tete, e outros afirmam que há uma necessidade de prestar culto aos antepassados, a fim de protegerem os tetences. E outros acusam as vítimas de suicidas e alfabetos. Outros dizem que deveriam evitar se envolver em actos que extrapolam as leis. Mas tudo isso não passa de uma limitação psicológica, pois essa é uma incapacidade nossa de discernir e explicar os fenómenos a partir do númeno.
Meus irmãos! A vida é uma sucessão de acontecimentos inevitáveis, como o vento, o dia e a noite, ninguém pode evitar que anoiteça ou que amanheça, por sua vez, o vento venta da única forma que ventaria, ninguém pode mudar essa ordem natural. O mesmo processo acontece com a morte, alias, a morte é algo natural que sucede da única forma que poderia suceder, no entanto, os seres vivos estão condenados a morte, isto confirma-se biologicamente, salvo aqueles seres que são unicelulares que segundo os cientistas são imortais. Portanto, a morte é uma experiência abrangente, não escolhe lugar, tribo e muito menos espécie, isto significa que não existe um ser vivo que escapa da morte.
Entretanto, apenas o homem tem a consciência dela. E, ao invés de se acostumar, procura justifica-la através da sua mente limitada e, como consequência, surge no seio do homem, a natureza exploratória sem apoio de evidências sólidas (especulação sobre os factos). É verdadeiramente em vão especular sobre a morte, seja ela colectiva ou individual, alias este assunto da morte foi debatida com seriedade pelo Epicuro.
Segundo ele, Estúpido é aquele que afirma ter medo da morte, não porque sofrerá ao morrer, mas por sofrer com a ideia de que ela há-de chegar. E mais do que isso, a morte não tem a ver com connosco, quando somos ela não é; quando a morte é, nos já não existimos. Nunca cruzamos com a morte, quando eu sou, ela está na parte incerta; quando ela é, eu já sucumbi.
Ora, se a morte não tem haver connosco, então, ninguém tem influência direita nela, se os vivos não têm, não serão os mortos que terão. Portanto, é inútil evocar os antepassados para protegerem os vivos da morte, e não só, é inútil apontar protagonistas na morte dos indivíduos porque ela sempre esteve na parte incerta. Nesta óptica de ideia, eu diria que estúpido é aquele que especula sobre a morte, apontando protagonistas e sacrificando as vítimas para justifica-la.
Neste conceito da morte, “Montaigne” acredita que ninguém morre antes da hora, pois qualquer que seja duração da vida, ela é completa. Sua utilidade não reside na duração e sim no emprego que lhe dás. A quem vive muito, e não viveu, e há quem vive pouco e viveu, portanto não é o número de anos que justifica viver a vida. Entretanto, se ninguém morre antes da hora, pode-se inferir que as pessoas morrem porque chegou a hora da sua partida, independentemente da tragédia que contribuiu para a sua morte.
Neste âmbito, entorno da morte, não há motivos para especulação. E a moldura social não pode encara-la como algo temível e negável, pois ela é alguma coisa vivida, consciente ou inconsciente, é uma liga que acompanha a nossa jornada, mas não se confunde com a nossa jornada. O segredo é acostuma-la, suporta-la, aceita-la e não especular em torno dela, por mais que seja uma situação limite, não há motivos para especulação, não há motivos para apontar protagonistas e muito menos evocar espíritos dos antepassados para nos livrar dela.
Por Rabim Saize Chiria
Licenciado em Filosofia pela Universidade Eduardo Mondlane
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