Perto de uma centena de camponeses do distrito de Mecúburi, na província de Nampula, teve na semana finda o raro privilégio de apresentar a deputados da Assembleia da República o drama de usurpação de terras que sofrem há vários anos por parte da multinacional Green Resources Moçambique. São na verdade muitos mais os moçambicanos que estão revoltados com esta empresa que acumula mais de 264 mil hectares de terra nas províncias de Nampula, Niassa e Zambézia, e onde planta apenas eucalipto e pinho.
Há cerca de seis anos quando a multinacional de capitais da Noruega chegou ao distrito de Mecúburi trazia a promessa de desenvolvimento que tarda a chegar num distrito onde os sucessivos Governos do partido Frelimo não conseguiram ainda implantar as mais básicas infra-estruturas para a vida dos cidadãos. Prometeram usar maioritariamente as terras marginais que existissem e caso tivessem que usar alguma terra ocupada ancestralmente pelos locais iriam compensar a perda das machambas que eram as fontes de produção de alimentos.
Entretanto “muitas famílias foram forçadas a abandonar as suas terras sem a devida compensação” disse Dias dos Santos Adriano, um dos membros do comité Consultivo das comunidades de comunidades de Intatapila e de Naipai II, na localidade de Nahipa, aos deputados da Comissão de Agricultura, Economia e Ambiente da Assembleia da República.
“Nós não estamos contra o projecto, o projecto é bem-vindo. Só que agora eles estão a atacar as nossas machambas. Não pagam as indemnizações que nos prometeram, apenas pagaram indemnização de cajueiros e as outras fruteiras não. Abriram um dos dois furos prometidos. Não construíram a escola que prometerem, nem a casa de alvenaria para rainha”, disse Adriano aos parlamentares que deslocaram-se à aquelas comunidades na sequência de uma carta denúncia que os camponeses enviaram à Assembleia da República após verem goradas as suas demandas junto das autoridades locais.
Os camponeses revelaram que o processo de consulta comunitário, obrigatório durante o processo, foi realizado sem a sua presença mas apenas dos líderes comunitários.
Recordaram que dos 300 hectares que a empresa disse serem do seu interesse inicialmente acabou por pedir o Direito de Uso e Aproveitamento de Terra (DUAT) para 9 mil hectares porém o Conselho de Ministro autorizou apenas 1800 hectares.
Green Resources reconheceu as irregularidades em Mecubúri
Rosário Mualeia, um dos membros da Comissão de Agricultura, Economia e Ambiente da Assembleia da República comentou na ocasião ser inconcebível autorizar a área solicitada pela multinacional pois o distrito dispõe apenas 7 mil quilómetros quadrados o que resultaria naturalmente na ocupação de terras dos pouco mais de 180 mil habitantes da região.
Já o presidente da comissão parlamentar, Francisco Mucanheia, concluiu que “não houve transparência no processo de consultas comunitárias”. O deputado deixou como recomendação a correcção dos erros pois “a vinda de um projecto não pode significar aumento da pobreza e problema nas comunidades, deve trazer desenvolvimento, pelo que isto deve ser assumido com muita responsabilidade” concluiu.
O @Verdade presenciou as tentativas do Administrador do distrito de Mecúburi, Dinis Anapacala, em apresentar justificações aos deputados antes deles se dirigirem às comunidades para ouvirem na voz dos afectados o drama que têm enfrentado. Entre outras justificações o governante local disse que a denuncia teria sido escrita por indivíduos de má fé.
Depois do diálogo Dinis Anapacala reconheceu a existência de erros em todo o processo de implantação do projecto da Green Resources Moçambique e assegurou que os mesmos serão corrigidos brevemente.
Na presença dos deputados também Graciano Saial, director da subsidiária local da Green Resources Moçambique, reconheceu as irregularidades no processo e comprometeu-se a fazer a devida revisão, para que as partes envolvidas nomeadamente a empresa que dirige e as comunidades saiam a ganhar.
“Avanço das Plantações Florestais sobre os Territórios dos Camponeses no Corredor de Nacala: o caso da Green Resources Moçambique”
Um estudo apresentado este ano pelas Organizações da Sociedade Civil Livaningo, Justiça Ambiental e UNAC, constatou que parte das áreas atribuídas à multinacional de capitais da Noruega, pelo Governo moçambicano, “coincidem, em muitos casos, com as áreas ocupadas pelas famílias e comunidades locais, levantando desde logo um problema jurídico-legal: a Lei de terra proíbe ao Governo atribuir a novos interessado terras já ocupadas a não ser com o expresso e informado consentimento dos actuais ocupantes e acompanhado das correspondentes compensações e indemnizações”.
Segundo a publicação, intitulada “o Avanço das Plantações Florestais sobre os Territórios dos Camponeses no Corredor de Nacala: o caso da Green Resources Moçambique”, de um modo geral para a obtenção dos cerca de sete dezenas de títulos de DUATs, representando mais de 264 mil hectares de terras, na posse da Green Resources Moçambique, através das suas subsidiárias, “as consultas comunitárias não foram feitas com a escrupulosa observância da lei como é de esperar de uma empresa que se quer social e ambientalmente responsável; não houve um processo de negociações entre as comunidades e famílias locais, por um lado, e os investidores, por outro lado; as compensações às comunidades locais, quando aconteceram, foram irrisórias e pagas através de processos nada dignificantes para as pessoas e famílias afectadas”.
“Constatou-se igualmente que as distâncias entre as áreas ocupadas pelas comunidades familiares locais para fins habitacionais e da produção agrícola e as áreas destinadas às plantações de monoculturas são muito ínfimas o que significa que não se observou o princípio ambiental da precaução. Também se coloca a questão das distâncias em relação às estradas e os caminhos vicinais”, indica o relatório.
A Green Resources Moçambique actua nos distritos de Sanga, Lichinga, Chimbonila, Muembe, Chimbonila e Lago (na província do Niassa); nos distritos de Ribaué, Mecuburi e Rapale (na província de Nampula); e ainda nos distritos de Alto-Molocué, Ile, Gurue, Milange, Namarroi e Mocuba (na província da Zambézia).
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