Valentina Guebuza, filha do ex-Chefe de Estado moçambicano, Armando Guebuza, foi assassinada a tiros pelo próprio marido, na noite de quarta-feira (14), numa das zonas aristocráticas da cidade de Maputo, onde o casal vivia. Trata-se de um crime com requintes de violência doméstica, ainda abordada como um problema que só atinge maioritariamente famílias pobres e gente sem instrução. Mas o drama parece bem maior e longe do alcance das estatísticas que têm sido divulgadas.
As paredes do edifício do casal Muiuane parecem ter desmoronado, deixando a descoberto a podridão e a crueldade a que também estão sujeitos, nos seus lares, as mulheres e os homens supostamente da classe alta.
De 36 anos de idade, Valentina Guebuza, era uma engenheira civil de formação, instruída numa das melhores universidades da África do Sul, e era uma das empresárias mais sucedidas do país, com interesses nas áreas de imobiliário, da banca, das minas e telecomunicações.
Ela foi alvejada mortalmente com quatro tiros, por Zófimo Muiuane, de 43 anos de idade, e com quem cansou em Julho de 2014. O evento foi o mais badalado de momento.
O crime deu-se por volta das 20h00, segundo a Polícia da República de Moçambique (PRM), que diz ter se feito à residência do casal, sita na Avenida Julius Nyerere, quando ouviu disparos.
Zófimo Muiuane, chefe do Departamento de Marketing da empresa de telefonia móvel, Mcel, efectuou quatro disparos com uma pistola comprada na África do Sul, mas não dispõe de licença para o uso da mesma, disse Orlando Modumane, porta-voz do comando da PRM em Maputo.
“Foram recolhidos quatro invólucros no local do crime. No primeiro interrogatório policial a que o indiciado foi submetido, referiu que o homicídio resultou de uma convivência conturbada entre o casal”, disse Orlando Modumane, anotando que Valentina Guebuza perdeu a vida no Instituto do Coração, para onde foi socorrida.
Informações postas a circular pelas redes sociais, dias antes do assassinato, davam conta de que a vítima e o marido travavam discussões acesas constantemente. Os motivos são publicamente desconhecidos.
Polícia e Frelimo falam de violência doméstica
Reagindo à infelicidade, Inácio Dina, porta-voz do Comando-Geral da PRM, disse à Rádio Moçambique (RM) que se trata de um crime enquadrado na violência doméstica.
"A primeira indicação que temos é de um caso autêntico de violência doméstica, que acabou desembocando, infelizmente na morte da cidadã Valentina Guebuza. O principal indiciado, que é o esposo, foi detido e, neste momento, está em curso todo o processo que vai culminar com a devida responsabilização, se for concluído o seu envolvimento", disse o policial.
Margarida Talapa, chefe da bancada parlamentar da Frelimo, disse no Parlamento que este é um caso de violência doméstica.
“Mais uma vez, a sociedade moçambicana é confrontada com uma agressão”, que consubstancia “violência doméstica contra a mulher que culmina com a morte trágica desta jovem”, afirmou a deputada.
Valentina Guebuza, que segundo a revista Forbes estava entre as 20 mulheres mais poderosas de África, era membro do Comité Central da Frelimo, do Comité da Cidade de Maputo e da Associação dos Combatentes da Luta de Libertação Nacional (ACCLIN).
Ser espancado e conviver com isso
De acordo com o Instituto Nacional de Estatística (INE), por vezes, “muitas vítimas” de violência doméstica mantêm-se “no silêncio por necessidade de protecção do agressor ou considerar como uma situação normal”, ignorando o facto de os seus direitos estarem a ser infringidos e colocarem em risco própria “saúde física e psíquica”. Terá sido este o caso de Valentina?
Em cada 10 mulheres, mais da metade sofre violência em Maputo
Seis em cada 10 mulheres e raparigas são violentadas de diferentes maneiras em espaços públicos na capital de moçambicana, particularmente nos bairros suburbanos, onde a segurança pública continua precária e circular à noite é um acto de coragem. O abuso sexual é um dos casos recorrente nos distritos municipais de KaMaxaquene e KaLhamankulo, de acordo com um estudo lançado terça-feira (13).
Dos dados, pode-se concluir que o que antes era tido como um problema de alçada familiar e com maior incidência no meio rural, está camuflado nos centros urbanos, onde se encontram as instituições – e respectivas sedes – que lidam com a matéria.
Contudo, o silêncio é mantido também pelas vítimas com maior grau de escolaridade. Algumas, no caso das mulheres – e não são poucas – disfarçam os hematomas com os cosméticos.
No que diz respeito à violência psicológica, o drama é maior, com oito vítimas em cada 10 mulheres, no distrito municipal KaMaxaquene, onde a violência sexual é também considerada elevada.
No Ka Lhamankulo, sete em cada 10 raparigas são sujeitas ao mesmos maus-tratos. Os estabelecimentos destinados à venda de bebidas alcoólicas são tidos como os locais mais propensos a esta situação.
Os agressores são jovens
Um relatório da ONU Mulheres, intitulado “Cidade Segura Livre de Violência Contra Mulheres e Raparigas”, aponta que as mulheres que frequentam as barracas são violentadas pelos homens porque estes julgam que apenas eles podem frequentar esses lugares.
“São coisas que só os homens podem fazer, são comportamentos típicos do homem, não de mulheres. Estas devem ficar em casa”, disse um dos homens entrevistados no estudo.
A pesquisa refere ainda que as pessoas que incentivam a violência contra as mulher e raparigas são jovens na sua maioria consumidores de bebidas alcoólicas e outras drogas.
Os crimes em causa são perpetrados por jovens com idades que variam de 18 a 30 anos, desempregados e que não frequentam a escola.
Os visados, indica o documento, são moradores dos bairros e quarteirões onde há relatos desses problemas, ou de zonas circunvizinhas que “se integram aos grupos” alegadamente por más influências e instrumentalização.
Medo de andar na rua
Para além do assédio sexual, várias mulheres e raparigas residentes nos distritos municipais Ka Maxaquene e Ka Lhamankulo queixaram-se de terem sido “agredidas e violadas sexualmente” na via pública.
Por exemplo, no distrito municipal Ka Lhamankulo, o apalpamento de partes íntimas das vítimas sem o seu consentimento é uma prática comum, ao contrário do que ocorre em KaMaxaquene.
Todavia, neste último distrito municipal, observa-se que as mulheres que recusam quando são conquistadas, sofrem, por conseguinte, ultraje em público.
O relatório estabelece ainda uma relação entre os casos reportados e o alto custo de vida.
As vítimas enfrentam “constrangimentos para controlarem os seus corpos e as suas vidas. Sentem-se impedidas/restringidas de circular livremente (...)”.
Aliás, 90% das raparigas entrevistadas não se sentem seguras para circularem pelas ruas dos seus próprios bairros depois das 22h00. Maxaquene “C” e Chamanculo “C” são considerados os mais problemáticos.
Uma das recomendações deixadas pelo estudo é que se deve sensibilizar os pais e encarregados de educação sobre os cuidados a ter com as crianças e adolescentes, bem como criar locais seguros de entretenimento.
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