Na óptica do Chefe de Estado, Filipe Jacinto Nyusi, Moçambique “mantém-se firme”, com o número de pobres a aumentar, com a desnutrição crónica a afectar milhões de crianças e mulheres moçambicanas, com a falta de atendimento médico para a maioria do povo, com o elevado custo de vida, com os empréstimos que violaram a Constituição, com a guerra, com a corrupção... Nesta segunda-feira(19) o Presidente Nyusi apresentou na Assembleia da República o seu segundo Informe sobre o Estado da Nação onde admitiu alguns dos problemas vividos todos os dias pelo povo mas não se coibiu de apresentar “resultados são encorajadores” da sua governação. Sobre a fim da guerra não há cessar fogo à vista e passou a responsabilidade da paz para o Sr. Afonso Dlakhama.
Filipe Nyusi até iniciou de forma humilde o seu Informe reconhecendo que a tragédia de Caphiridzange, na Província de Tete, onde mais de uma centena de moçambicanos pereceram na sequência explosão de um camião cisterna onde roubavam combustível. “Em última análise, quem matou estes nossos irmãos foi a pobreza. Apenas combatendo a pobreza em todas as suas dimensões poderemos evitar que tragédias destas se repitam”, disse o Presidente que ainda admitiu que 2016 foi um ano adverso.
Depois Nyusi começou a divagar sobre o que tornou o ano que está a findar difícil e principalmente sobre as verdadeiras causas das adversidades. Se é verdade que “o simples apontar de culpas não trará uma solução total e verdadeira aos nossos problemas”, como afirmou o estadista moçambicano, seria um ponto de viragem positivo admitir que a responsabilidade pelo mau Estado da Nação moçambicana deve-se em grande medidas as políticas que têm sido implementadas pelos sucessivos Governos do partido Frelimo.
O Presidente de Moçambique culpou o partido Renamo pela não efectivação do encontro entre ele e Afonso Dlakhama e, embora tenha declarado que “é absolutamente necessária a cessação das hostilidades no país”, Nyusi, que é o Comandante, não explicou o propósito da presença de milhares dos seus soldados e de armamento pesado na Serra da Gorongosa.
O Chefe de Estado destacou a redução da pobreza mas não referiu que na verdade o número de pobres aumentou em mais de 2 milhões em Moçambique, durante os últimos anos. Nyusi disse que o seu Governo alargou “a assistência social básica para mais quatrocentas mil famílias carentes, com crianças, idosos e pessoas com deficiência”, porém não mencionou que o universo de moçambicanos a viverem na extrema pobreza é de cerca de 15 milhões e que no Orçamento de Estado para 2017 cortou cerca de meio bilião de meticais dos programas de Protecção Social Básica.
“O ano de 2016 ficará marcado como ano em que enfrentámos e superámos muitas tormentas”
No seu Informe o Presidente discorreu sobre várias obras feitas na Saúde e sobre os vários programas do sector nem reconhecer que só foram possíveis graças ao apoio directo de vários Países parceiros de cooperação internacional.
Relativamente a Educação várias “conquistas” foram referidas, com ênfase na melhoria da “taxa líquida de escolarização subiu de oitenta e três por cento, em 2015, para mais de oitenta e seis por cento no corrente ano”. Apesar desses feitos nenhuma justificação foi dada para a demissão do ministro Jorge Ferrão que as liderou.
O Desporto foi abordado sem a menção de nenhuma modalidade específica tendo o Chefe de Estado destacado o número de medalhas conquistadas, 103.
“O ano de 2016 ficará marcado como ano em que enfrentámos e superámos muitas tormentas” começou por declarar o Chefe de Estado no capítulo relativo à situação económica. Filipe Nyusi congratulou-se por a Assembleia da República terem decidido averiguar os contornos das dívidas da Proindicus, EMATUM e MAM quando na verdade as investigações só aconteceram por imposição do Fundo Monetário Internacional e dos parceiros de cooperação.
Todavia o Presidente não fez nenhuma referência às constatações de ilegalidades que a Comissão Parlamentar de Inquérito apurou e nem mesmo abordou o seu papel no processo de contratação desses empréstimos. Filipe Nyusi era ministro da Defesa Nacional e a empresa-mãe das dívidas é propriedade do seu pelouro.
No que a corrupção diz respeito o Informe trouxe alguma estatística sobre processos-crime tramitados, 714, e os valores envolvidos, 470 milhões de meticais. “É importante reter estes números porque a corrupção não é apenas uma ofensa ética, mas um crime com consequências graves para a economia”, afirmou o Chefe de Estado omitindo que os corruptos apanhados continuam a ser o “peixe-miúdo”.
Nyusi destacou separadamente a questão da criminalidade todavia enganou-se dizendo que estaria a reduzir. Os casos criminais reportados pela Polícia da República de Moçambique mostram exactamente o contrário e a Procuradora-Geral da República corroborou esses aumentos no seu último Informe ao Parlamento onde indicou ainda que a criminalidade está aumentar entre os jovens.
Mais do que “incrementar acções de policiamento de proximidade, operações selectivas sobre focos e zonas propensas a actividades delitivas(...) aumentar a visibilidade policial e emprego de unidades combinadas para enfrentar o crime nas suas versões mais sofisticadas”, como o Comandante em Chefe discursou, nenhuma autoridade parece ousar diagnosticar as causas do aumento da criminalidade, uma delas está directamente relacionada com a pobreza, falta de emprego e a crise económica que o País vive.
O 4º Presidente eleito de Moçambique destacou “a importância da Energia como factor de transformação económica” contudo, esquecendo que só pouco mais de 20% dos moçambicanos têm acesso a electricidade, disse que a aposta é “o aumento do volume das nossas exportações de energia para os países da região”.
Milho, hortícolas, criação de aves e ovos devem ser de produção obrigatória
No que diz respeito ao custo de vida nada de novo o estadista moçambicano apresentou, voltou a argumentar que “só produzindo mais e melhor podemos ficar menos expostos à vulnerabilidade da taxa de câmbio” porém soluções realistas para a agricultura tornar-se produtiva não apresentou no Informe, e nem constam dos vários programas do seu Governo.
A solução, segundo o Informe de Filipe Nyusi, foi “orientámos os governos provinciais e as administrações distritais a adoptarem um novo modelo de produção(...) As culturas do milho, hortícolas, bem como a criação de aves e ovos são compatíveis com a generalidade dos solos e passíveis de serem as mais exploradas em todo território nacional. Assim, decidimos adoptá-las como transversais no âmbito da segurança alimentar e declaramos que devem ser de produção obrigatória”.
No que a pesca diz respeito nenhum menção a Empresa Moçambicana de Atum, que endividou o País em 850 milhões de dólares para pescar atum, aliás “a contribuição do sector familiar esteve em noventa e um por cento, contra nove por cento da pesca industrial e semi-industrial”, revelou o Presidente.
No seu segundo Informe ao Parlamento Nyusi disse que é pretensão do seu Executivo, “resgatar o lugar de Moçambique como um destino preferencial, na região e no mundo”. Falácia pois Moçambique nunca foi esse destino turístico e as políticas que estão em prática no sector afugentam mais do que atraem turistas.
Abate ilegal de elefantes caiu de 1200 para 75
O Presidente vangloriou-se da “construção, reabilitação, manutenção e asfaltagem de mais de treze mil km de estradas e pontes que resultaram na melhoria da transitabilidade rodoviária e ferroviária”, contudo a época chuvosa irá mostrar quão más foram essas obras onde milhões de dólares voltaram a ser gastos.
Já o acesso a água potável canalizada, que chega apenas a cerca de 6 milhões dos 27 milhões de moçambicanos, mereceu apenas cinco parágrafos no Informe de Filipe Nyusi que no entanto fez questão de clarificar que a reabilitação do sistema de drenagem do rio Chiveve, na cidade da Beira, governada pelo Movimento Democrático de Moçambique, aconteceu no âmbito do Programa Quinquenal do seu Governo.
Sobre a conservação e biodiversidade o Chefe de Estado disse que foi registado “um decréscimo no abate ilegal de elefantes de mil e duzentos, em 2014, para cento setenta e cinco, em 2016. Registámos ainda sinais de reposição da espécie do rinoceronte, que já se encontrava praticamente extinto”.
Sublinhou ainda o banimento da exportação de madeira em toros e o trabalho em curso para a organização do processo de emissão de Direitos de uso e Aproveitamento de Terra, porém esqueceu-se que em 41 anos de independência não foi elaborado nenhum Plano de Ordenamento Territorial que iriam solucionar não só os conflitos de terra existentes como ainda salvaguardar todas outras questões relacionadas com a ocupação do território.
“Apraz-nos constatar que Moçambique continua atractivo ao investimento, o que é sinalizado pelo crescimento de pedidos de licenciamento de novas unidades industriais”, declarou Filipe Nyusi que ainda discursou sobre as acções levadas à cabo para colocar a Justiça mais próxima do cidadão.
O Presidente afirmou que “com vista a moralizar a sociedade e humanizar as penas em benefício do bem-estar social, estão em implementação medidas alternativas à prisão, com destaque para a substituição da pena de prisão por serviços comunitários”, no entanto não se recordou que grande parte dos condenados que ele indultou em 2015 acabaram por regressar aos calabouços.
Relativamente aos abusos que os militares das Forças de Defesa e Segurança perpetraram contra civis na província de Tete o Chefe de Estado disse no seu Informe que “constatou-se não haver evidências das alegadas violações dos direitos humanos e que existem condições favoráveis para o acolhimento e assistência dos nossos concidadãos em Kapesi, no Malawi”.
Nyusi apelou a união de todos os moçambicanos para ultrapassar as dificuldades do presente. “A Paz genuína e definitiva não será pertença exclusiva de qualquer formação política. Será uma vitória de todos nós, moçambicanos, de todos os sexos, raças e origens. O desenvolvimento económico não será propriedade de nenhuma entidade particular. Será de todos nós e só assim, como criação colectiva, esse futuro mais próspero irá acontecer” disse.
O estadista moçambicano concluiu o seu Informe declarando que “A Situação Geral da Nação mantém-se firme. A Nação Moçambicana é capaz de enfrentar os desafios presentes e futuros. As adversidades serão ainda muitas. Mas a nossa capacidade de resposta, inspirada na contribuição de todos, será ainda maior”.
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