Um dos pressupostos básicos da governação eleitoral, desde a elaboração das leis até a fase da resolução de contendas é garantir a credibilidade das eleições e com isso o objectivo final que é a garantia da incerteza eleitoral. Em estudos eleitorais refere-se que não se pode dizer com antecedência quem irá vencer uma determinada eleição, embora as sondagens de opiniões indiquem um possível vencedor. Os estudos eleitorais apenas permitem-nos explicar os resultados encontrados em uma eleição.
As últimas eleições nos Estados Unidos da América elegeu-se Donald J. Trump, candidato republicano, como novo presidente daquele país, numa disputa com a democrata Hillary Clinton. O objectivo deste artigo é analisar como Trump, o candidato menos cotado pelos mass media e por uma parte do povo americano, contra todas as expectativas tornou-se no presidente eleito dos EUA, a maior potência económica e militar do mundo.
Quando Trump decidiu candidatar-se às presidências americanas muitos não acreditaram que pudesse chegar longe ou mesmo ganhar as eleições. Donald Trump era visto apenas como um simples bilionário, homem de negócios, proprietário da série televisiva "O aprendiz", à procura de aventura e com pouco conhecimento sobre a política americana interna e externa. Era visto como uma piada.
Ao se tornar no principal candidato republicano à Casa Branca, nomeado definitivamente na Convenção Nacional Republicana e aceite pelos seus apoiantes, Trump tornou-se polémico com os seus discursos xenófobos, separatistas e de exclusão contra a comunidade muçulmana e contra os imigrantes, acrescentados a sua prepotência ao seu poderio financeiro e económico característico dos republicanos conservadores.
É óbvio que sob o ponto de vista de experiência política, Hillary Clinton leva uma grande vantagem pois sempre esteve envolvida na governação desde o período em que era primeira – dama, até as experiências vividas como secretaria de Estado.
No entanto, a pergunta que se coloca é, como é que um bilionário como Donald Trump consegue obter o apoio e o voto de um cidadão comum? Para começar, os EUA ainda têm como maioria populacional os caucasianos que geralmente é composta por republicanos conservadores, até certo ponto radicais e contra os ideais liberais de aceitação de imigrantes difundidas pelos democratas. Trump favoreceu-se do apoio e dos votos desta maioria americana branca que de alguma forma se sentia desfavorecida, marginalizada e esquecida comparativamente aos afro-americanos e latinos. Uma maioria branca que tinha na consciência a ideia de que o governo democrata liderado por um negro negligenciava a sua comunidade.
Para muitos pode parecer pouco provável, mas Donald Trump leu o contexto político interno e externo americano e usou em seu benefício. Internamente, os ataques de ódio à negros, latinos e muçulmanos protagonizados na sua maioria por brancos insatisfeitos com a governação Obama; o debate sobre a venda e porte de armas que desfavorecia os interesses dos republicanos neste negócio, o falhanço do Obamacare como política de saúde, foram alguns aspectos que o favoreceram. Na política externa, a perda do protagonismo dos EUA para países como a Rússia, China e Síria, a negligência de Hillary Clinton enquanto secretária de Estado no caso Benghazi deram-no uma grande vantagem. Os discursos de ódio e repulsa reflectiam aquilo que a américa branca acreditava. Podemos arriscar e dizer que o ódio tornou Trump no 45° presidente eleito dos EUA. Ele usou a repulsa e o ódio sobre os imigrantes mexicanos, os afro-americanos e muçulmanos porque percebeu que a américa branca conservadora posicionava-se à seu favor. Por todas estas razões não foi por puro acaso que o slogan da sua campanha foi "Make America Great Again".
É importante perceber que a Politica é um jogo e Donald Trump é um excelente jogador. Para um homem de negócios como ele nada é mais importante que vencer. Por um lado, Trump parecia estar em desvantagem com os seus discursos polémicos, por outro, ganhava uma vantagem invisível no campo político, pois uma grande maioria apoiava as suas ideias extremistas. Obviamente que os discursos foram uma estratégia política para ganhar vantagem e vencer as eleições.
Acreditamos que a estratégia usada por Trump é conhecida em Ciência Política como “Jogos Ocultos”, uma teoria introduzida por George Tsebelis e inserida na Teoria da Escolha Racional e na Teoria dos Jogos. Esta teoria parte de uma análise do comportamento individual dos políticos e suas relações partidárias internas e externas em diversos cenários, demonstrando que se determinado comportamento adoptado por certo actor não parece ser a melhor escolha para aquela situação é porque o observador está focado somente em um cenário ou em um jogo, enquanto o actor joga em dois ou mais jogos ou cenários.
Por outras palavras, Tsebelis defende que com a informação certa, a escolha do actor pela opção “subóptima”, ou seja, aquela que aparentemente não maximiza o seu ganho, na verdade representa uma assimetria entre oque o actor está efectivamente a realizar e oque o observador vê, uma vez que o actor participa de jogos em múltiplas arenas, enquanto o observador vê apenas um único jogo, de maneiras que sua análise está fora de foco e não representa oque realmente acontece no campo político.
Fica como lição sobre este fenómeno sócio – político a ideia de que a política é um jogo e não é jogado apenas em uma arena. Os discursos de Trump mostram que o jogo dele não era jogado apenas em um contexto, mas em muitos. A política envolve racionalidade. Sobre as sondagens de opiniões, já vimos que no passado falharam. Não é a primeira vez que isto acontece. Os candidatos que eram dados como vencedores acabaram por perder as eleições, só para citar alguns exemplos: Al Gore, John Kerry e Jimmy Carter, os dois primeiros contra George W. Bush e o último contra Ronald Reagan.
Por último, é importante perceber que em democracia o que conta são os interesses da maioria, mesmo numa situação em que os interesses da minoria aparentem ser os mais justos, principalmente em uma democracia consolidada como a norte-americana.
Por Raúl Barata
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