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domingo, 16 de abril de 2017

Organizações de mulheres condenam violência mas são brandas quando se “frita e queima” ...

As organizações moçambicanas da sociedade civil, que defendem os direitos da mulher e lutam pela igualdade de género, alegam que condenam e desencorajam a violência física contra qualquer ser humano, mas contrariamente ao suposto repúdio, parecem desvalorizar a barbárie que se instalou na sociedade e que consiste em algumas mulheres queimarem os seus parceiros com óleo quente de cozinha, água fervida ou gasolina. No seu entender, “a violência exercida pela mulher é vista como uma aberração, porque contraria expressamente a ordem patriarcal e é totalmente desproporcional à violência dos homens contra as mulheres, que representam a esmagadora maioria dos casos”.

As mulheres continuam a sofrer violência física grave ou violência sexual, mas a sociedade está escandalizada porque olha para “alguns casos isolados de violência das mulheres contra os homens como chocantes”, na medida em que contrariam a ordem vigente, de que a classe feminina é o elo mais fraco.

“Na verdade, sempre houve e continua a haver uma tolerância e legitimidade da violência masculina, sendo que ela é justificada por uma tendência natural à agressividade e inerente às suas funções de mando”, dizem a Associação Cultural Horizonte Azul, o Fórum Mulher, a Fundação MASC, a JOINT, a MoviFemme, a MULEIDE, a N´weti, o Parlamento Juvenil, a Rede de Defesa dos Direitos Sexuais e Reprodutivos, a Rede HOPEM e a WLSA Moçambique, num texto intitulado “7 de Abril: dia das mulheres ou violência contra as mulheres?”.

Elas argumentam que “a ordem patriarcal destina às mulheres o papel de apaziguadoras e de aceitação do mando masculino. Porque a visibilidade destes casos mostra que uma tradição e cultura discriminatórias se sobrepõem aos direitos humanos das mulheres. Na verdade, assusta que as mulheres comecem a rejeitar a violência e se assumam como sujeito de direitos”.

Ademais, as mulheres sempre foram consideradas aquelas que, “mesmo na adversidade, não devem nunca perder de vista que são naturalmente pacíficas e resistentes a todas as formas de violência. Numa linguagem mais popular, dir-se-ia que são e gostam de ser os bombos da festa”.

Entre 2010 e 2014, numa província do país, as denúncias das mulheres agredidas atingiram 80%. Analisando os autos de denúncia na Polícia, a maioria das queixas dos homens referem-se a “abandono do lar” ou ao incumprimento das tarefas consideradas femininas, por exemplo, não cozinhar ou não aquecer a água.

Pelo contrário, as denúncias feitas pelas mulheres dizem respeito, na maior parte, “à ocorrência de violência física grave ou violência sexual”.

A violência exercida pela mulher é vista como uma aberração, porque contraria expressamente a ordem patriarcal, que destina às mulheres o papel de apaziguadoras e de aceitação do mando masculino. Porque a visibilidade destes casos mostra que uma tradição e cultura discriminatórias se sobrepõem aos direitos humanos das mulheres. Na verdade, assusta que as mulheres comecem a rejeitar a violência e se assumam como sujeito de direitos, afirmam.

“Os crimes relatados também não são contextualizados. Apresentam-nos uma vítima e uma agressora. É obrigação dos media irem além do espectáculo e procurarem as causas profundas dos actos cometidos”.

Algumas das intervenções foram mais longe e referiram que os crimes são não só o resultado da crise de valores mas que “algumas mulheres interpretam mal a igualdade de género e que há influência do estrangeiro”. São apontadas como modelo “as mães analfabetas que sempre foram correctas com o parceiro”.

Estas afirmações, segundo as organizações de mulheres, são tão mais graves quanto estas falas provêm de dirigentes a vários níveis, num país em que a Constituição da República salvaguarda, expressamente, a igualdade de género. Constituição essa que juraram defender.

Num outro desenvolvimento, as agremiações dizem que as intervenções nas redes sociais e de vários comentadores na imprensa são demonstrações de um ódio contra as mulheres, que com certeza sempre esteve latente. Como se fosse uma vingança por todos os anos de luta e de afirmação dos direitos das mulheres. Como se nunca tivessem concordado e de repente encontrassem o pretexto para pôr em causa todos os avanços e conquistas. É uma raiva descontrolada e acumulada durante os anos em que foram obrigados a calar-se perante a luta diária e dolorosa das mulheres pelos seus direitos.

“Para que fique claro, nós organizações de mulheres, condenamos sem ambiguidade qualquer crime que atente contra a integridade física de um ser humano. Mas não aceitamos que sob pretexto de alguns casos isolados e descontextualizados, se ponha em causa a existência desse crime horrendo e insidioso que é a violência doméstica contra as mulheres, quotidianamente cometida e ao mesmo tempo silenciada, que destrói a vida de muitas mulheres e crianças”.

Alguns casos que chocaram o país

A 04 de Fevereiro deste ano, no bairro Tsalala, município da Matola, uma jovem de nome de Anifa Maulele regou o corpo do marido com óleo quente de cozinha, de madrugada, depois de uma briga em resultado de o esposo ter tirado satisfações sobre a constante infidelidade de que era alegadamente vítima.

A vítima, que respondia pelo nome de Rúben Matsombe, contraiu ferimentos graves e o seu rosto fcou desfigurado. Dias depois, morreu no Hospital Central de Maputo (HCM), onde lutava pela vida.

Volvidos dois dias, também numa madrugada, um homem de 58 anos de idade, identificado pelo nome de Armando Dzimba, ateou fogo, intencionalmente, no quarto onde se encontrava a dormir com a esposa, na cidade de Xai-Xai, província de Gaza, devido a problemas ainda não esclarecidos. Infelizmente, o ofensor morreu a caminho do hospital.

O crime ocorreu no bairro 3 de Inhamissa e a vítima responde pelo nome de Celeste Muchanga, de 48 anos de idade.

A 19 de Março último, uma mulher de 33 anos de idade, identificada pelo nome de Samira Martins, foi privada de liberdade, na cidade de Quelimane, província da Zambézia, acusada de queimar gravemente o marido com recurso a gasolina e vela, causando-lhe queimaduras do primeiro e segundo graus em mais de 40% do corpo, por razões passionais.

O ofendido responde pelo nome de Anselmo Edgar e ainda encontra-se sob cuidados médicos. A desgraça, supostamente motivada por ciúmes por parte da indiciada, resultou do facto de o ofendido ter saído de casa no sábado (18), para uma diversão algures naquela urbe, mas só regressou no domingo.

A 02 de Abril corrente, uma jovem de 29 anos de idade, identificada pelo nome de Suzana Mafumo, foi presa, acusada que queimar gravemente o namorado, numa madrugada, no bairro Luís Cabral, na capital moçambicana, com recurso a óleo quente de cozinha.

No mesmo dia, uma outra jovem de 26 anos de idade foi privada de liberdade, na cidade da Beira, província de Sofala, acusada de queimar o ex-marido ao atirar-lhe uma panela de comida, durante uma discussão.

Estes acontecimentos aterradores, tipificados como violência doméstica, têm vindo a aumentar, segundo Inácio Dina, porta-voz do Comando-Geral da Polícia da República de Moçambique (PRM), que chegou a aconselhar os casais que enfrentem problemas conjugais a ponto de entrarem em rota de colisão a divorciarem.

Todavia, ele esclareceu que “não estamos a incentivar divórcios, mas quando uma relação não tem condições para continuar, no lugar de se atingir o extremo de se tirar a vida ou mutilar-se, é melhor arranjar outra solução que não prejudique as crianças ou as famílias”.



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