O mais alto órgão em matéria constitucional e eleitoral em Moçambique tece duras críticas às leis no. 6/2018 e 7/2018, ambas de 3 de Agosto, bem como à Lei no. 1/2018, de 12 de Junho, Lei de Revisão Pontual da Constituição da República, no contexto da qual foram aprovadas as primeiras duas normas, com o argumento de consolidação da reforma democrática do Estado e para a garantia da paz efectiva. Só faltou dizer que os textos em questão foram aprovados sobre o joelho e atabalhoadamente.
No Acórdão nº. 27/CC/2018, de 13 de Novembro, sobre a validação e proclamação dos resultados das eleições autárquicas realizadas a 10 de Outubro último, apresentado esta quarta-feira (14), em Maputo, o Conselho Constitucional (CC) começa por dizer que as leis sobre as autarquias locais consistiram na alteração dos números 3, 4 e 5 do artigo 275 da Constituição de 2004 e aditados os números 4A, 4B, 4C e 4D ao mesmo artigo.
Porém, na republicação da Constituição alterada, conforme ordena o nº 2 do artigo 296 da Constituição de 2004, “o referido artigo 275 passou a figurar no novo texto como artigo 289, numa clara violação do nº 1 do artigo 296 da Constituição de 2004, que determina que as alterações da Constituição são inseridas no lugar próprio, mediante as substituições, as supressões e os aditamentos necessários.”
A consequência disso, de acordo com o presidente daquele órgão, Hermenegildo Gamito, é a dificuldade na consulta e manuseio do novo texto constitucional, que mais parece uma nova Constituição quando, na verdade, se trata de uma mera revisão pontual (...).
No que diz respeito às leis no. 6/2018 e 7/2018, ambas de 3 de Agosto, aprovadas para densificar as alterações constitucionais, há também problemas.
Por exemplo, a Lei nº. 7/2018, que norteou a realização das eleições de 10 de Outubro, “representou um retrocesso face ao pacote eleitoral aprovado em 2014”. A consequência imediata foi o indeferimento dalgumas candidaturas, “facto que a opinião pública atribui não ao legislador, mas a má vontade dos aplicadores da lei.”
A lei em questão voltou ao conceito de “(…) irregularidades formais, de natureza não substancial (…)” [nº.1 do artigo 22] e “só permite a substituição de qualquer candidatura até ao último dia da entrega das listas à Comissão Nacional de Eleições (CNE), nomeadamente em caso de desistência do candidato [alínea c) do nº 1 do artigo 29].”
Todavia, esgotado aquele prazo, prossegue o CC, não há espaço para a substituição de qualquer candidato por outra pessoa fora da lista, mesmo em caso de rejeição por inelegibilidade, morte ou desistência, a não ser por suplentes e, esgotados estes, a lista não subsiste [artigos 23, 29 e 30].
Adicionalmente, o artigo 23 da mesma Lei nº. 7/2018, ao determinar, taxativamente, que uma lista de candidatura (...) é definitivamente rejeitada por falta de suplentes na lista entregue à CNE até ao termo do prazo de propositura e não for possível perfazer o número legal dos candidatos efectivos e de pelo menos três suplentes, permite a criação de “manobra de má fé” entre os integrantes duma lista e não só.
Acontece, segundo a explicação do CC que, os componentes de uma determinada lista podem “criar situações de extrema insegurança, com vista a eliminar concorrentes antes mesmo das eleições, dando assim cobertura a uma série de tropelias eleitorais.”
A opinião pública pode interpretar as referidas travessuras como falta de imparcialidade e independência dos aplicadores da lei, porquanto está longe de imaginar que tal situação (criação de dificuldades para a propositura de candidaturas) deriva da concretização da vontade do legislador.
Para o CC, num Estado de Direito Democrático onde o sufrágio universal constitui um direito fundamental [artigos 3 e 73 da Constituição], no âmbito do processo eleitoral, “todas as irregularidades devem ser supríveis, excepto as que, pela própria natureza das coisas, não possam ser corrigidas, como por exemplo o incumprimento dos prazos, candidato não recenseado”, entre outras.
Durante a leitura do Acórdão, de validação e proclamação dos resultados das eleições autárquicas realizadas a 10 de Outubro passado, Hermenegildo Gamito disse que o legislador não pode, injustificadamente, aparecer como um obstáculo ao exercício do direito fundamental de eleger e ser eleito, consagrado no artigo 73 da Constituição, como parece acontecer com a actual lei eleitoral, e contraria o espírito que levou à aprovação do processo de descentralização, que consiste no aprofundamento da democracia participativa e a garantia da paz.
O legislador não entendeu que “na esteira da consolidação do Estado de Direito Democrático e da democracia participativa, na fase de apresentação de candidaturas, a admissão das listas devia ser meramente provisória e a falta de documentos ou a existência de qualquer irregularidade, incluindo a insuficiência de suplentes, não devia determinar a rejeição, sem que antes o mandatário da mesma fosse notificado para supri-las, depois da sua entrega à CNE.”
O órgão a que nos referimos acredita que houve “falta de estabilização e consolidação da legislação eleitoral, de modo a evitar-se a aprovação de nova legislação para cada acto eleitoral.”
Aliás, apela-se para o respeito do Acórdão nº. 30/CC/2009, de 27 de Dezembro, no qual se sublinha que a multiplicidade de leis eleitorais que, embora regulem eleições diferentes, contêm, grosso modo, os mesmos princípios e regras gerais, acabando por afectar a unidade e coerência do sistema do direito eleitoral. “O facto, combinado com deficiências na formulação de algumas normas, dificulta a sua interpretação e aplicação pelos diversos actores dos processos eleitorais.”
Que o digam os partidos políticos, as coligações de partidos, os grupos de cidadãos eleitores e candidatos, que demonstram pouca preocupação em conhecer e aplicar correctamente as normas e acusam o CC de “continuam a cometer os mesmos erros, de eleição para eleição.”
Esta situação impõe a necessidade urgente de se caminhar para uma melhor sistematização e uniformização da legislação eleitoral no seu conjunto, através de um Código Eleitoral, sugere o CC.
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