A rede de cartões bancários, ATM e POS da Sociedade Interbancária de Moçambique (SIMO) está inoperacional desde sexta-feira (16) e não há previsão para ser reposta. “O sistema está indisponível porque nós não aceitamos aquilo que foram as condições que estão sendo impostas pelo provedor” revelou a PCA da instituição criada em 2011 para massificar a utilização de meios de pagamento electrónico no nosso país que acrescentou: “Nós pagamos tudo o que devíamos pagar para que tivéssemos a solução a correr”. Contudo o provedor esclareceu que: “A BIZFIRST não tem, nem nunca teve, com a SIMO de Moçambique nenhum contrato de licenciamento do seu software de processamento de transacções, nem nunca recebeu nenhum pagamento para tal licença de utilização para o processamento da SIMO rede”. A verdade é que o sector está cartelizado, os antigos gestores da SIMO “amarraram” a instituição a contratados dolosos para o povo moçambicano e os principais bancos comerciais nunca aceitaram subjugar-se à rede controlada pelo Banco de Moçambique que movimenta mais de 10 milhões de dólares todos os dias.
“A máquina não está a pagar” disseram vários comerciantes aos seus clientes que nas primeiras horas de sexta-feira (16) tentaram pagar as suas contas no salão de chá, supermercado ou num dos milhares estabelecimentos que aceita o pagamento por cartão bancário através de um POS (Point of Sale). Os cidadãos que em seguida dirigiram-se a uma ATM (Automatic Teller Machine) para levantar dinheiro e saldar as suas contas depararam-se com o pouco amigável boneco Ponto 24 “Por favor aguarde um momento”.
Esse momento transformou-se em horas até ao início da tarde quando em comunicado a empresa Gestora da Rede Única Nacional de Pagamentos informou que: “os serviços por si prestados, designadamente, ATMs e POS’s, Operações com Cartões e Carteiras Móveis encontram-se indisponíveis por razões alheias a sua vontade. Mais informa que estão em curso acções com vista ao restabelecimento dos serviços com a maior brevidade possível”.
Entretanto milhões de moçambicanos começaram a sentir o impacto da impossibilidade de usar os seus cartões. “Meu tanque está amarelo e não consigo levantar dinheiro para abastecer” disse ao @Verdade um jovem estudante do curso nocturno. Uma automobilista teve de usar a “via jardim” porque não tinha dinheiro para pagar a portagem. Fora do país cidadãos em viagens não conseguiram pagar as suas refeições e na manhã de sábado pelo menos cinco moçambicanos tiveram de enfrentar a gerência dos hotéis onde estavam acomodados diante do facto dos seus cartões de crédito e de débito serem “declined”.
“O que o provedor tem vindo a fazer é uma espécie de chantagem”
Mais de 48 horas depois do “apagão” a Administração da SIMO veio dar a sua versão do que estava a acontecer: “Com a aquisição da plataforma Ponto 24 o pressuposto era para usar esta plataforma para processar a SIMO rede, mas depois da assinatura dos contratos e pagamentos dos acordos com os accionistas o provedor do software apresentou uma situação em que a SIMO rede não podia usar o software porque não licenciou a SIMO rede para o usar mas ao Ponto 24. Mas o pressuposto pelo qual foram desencadeadas várias acções de aquisição da Interbancos foi no pressuposto de usarmos esta plataforma toda para processar a SIMO rede”.
“Estamos numa situação em que a partir de Abril o provedor começou a colocar estas situações, foi negociando, colocamos a nossa proposta que não foi aceite. Em Junho tivemos indisponibilidade do sistema para forçar que aceitássemos as condições, em Julho voltamos a ter a mesma situação e tivemos que ceder em algum momento porque nós sabemos o impacto que isso teria para os utilizadores finais. Mas continuar a ceder até quando? Não sabemos se depois destas cedências não virão outras exigências que são inaceitáveis, não podemos continuar numa situação em que estamos a trabalhar para alguém que nos faz chantagens”, justificou a Presidente do Conselho de Administração(PCA) SIMO.
Gertrudes Tovela explicou em conferencia de imprensa que: “Compramos um sistema para poder alcançar estes nossos objectivos mas ao longo do tempo viu-se que este sistema não conseguia responder a aquilo que eram os objectivos da SIMO. Era necessário encontrar uma melhor solução. Já havia na altura um conjunto de bancos que estavam a usar uma plataforma, a ideia que surgiu foi porque não usar este sistema que já era usado por parte dos bancos, provado que funciona correctamente e não dava problemas, e depois vai acrescentando os outros bancos para completar o seu objectivo que é de ter todos os bancos unidos a uma única rede”.
“Foram feitas as negociações e adquiriu-se a plataforma Ponto 24. Foram realizados todos os mecanismos para realizar a transição do sistema que pertencia a um determinado dono para ser da SIMO, não apenas o software mas também os aspectos de governação da própria aplicação. Toda a parte de gestão também foi adquirida mas com o andar do tempo o provedor tem vindo a exigir e a impor a SIMO um conjunto de condições para que a SIMO possa usar este software, algumas dessas condições, ao longo do tempo, foram aceites mas hoje analisado com alguma profundidade estas condições que este provedor coloca são condições insustentáveis, tanto em termos financeiros como em aquilo que nós chamaríamos de fair(lealdade) com a soberania de um Estado. Não são aceitáveis, são insustentáveis e o que o provedor tem vindo a fazer é uma espécie de chantagem, se não fazes isto corto o sistema”, aclarou.
A PCA da SIMO revelou que “alguns utilizadores devem ter sentido, em Junho houve uma paralisação do sistema, em Julho houve uma paralisação do sistema, nestas primeiras semanas do mês de Novembro o provedor tem vindo a fornecer a aplicação de forma parcial e no dia 16, nas primeiras horas decidiu cortar o sistema forçando que a SIMO tenha que cumprir com estas exigências”.
“Em termos de pagamentos a SIMO pagou tudo o que está previsto neste contrato e antecipadamente para poder usar esta aplicação, a SIMO não tem dívidas pelo uso deste software”, declarou Gertrudes Tovela.
“Nossa relação com este provedor está tão amarrada, tão amarrada que outras soluções para mitigar o problema não tinham espaço”
A líder da Sociedade Interbancária de Moçambique admitiu que: “É uma decisão difícil, e para alguns inconcebível até, não aceitar estas condições impostas pelo provedor do software pelas implicações negativas que nós todos estamos aqui a vivenciar e que afectam o sistema financeiro num todo mas pior ainda será aceitar estas condições que nos estão sendo colocadas”.
“Se um provedor tem a coragem de colocar um bem público desta natureza, de colocar a SIMO contra a parede, de chantagear o sistema nacional não é o provedor que tenhamos que continuar a lidar com ele. É difícil não aceitar mas aceitar é pior, porque vai continuar a fazer este tipo de chantagem e nós não sabemos até quando e com que dimensão. Para nós rejeitar estas condições que são impostas pelo provedor é uma base para recomeçarmos, para criar um sistema robusto, sustentável a médio e longo prazo e que responda a aquilo que são os nossos objectivos. Que não coloque em causa a soberania de um Estado”, acrescentou.
Questionada porque motivo não foi implementado um software alternativo, visto que a disputa com a empresa BIZFIRST arrasta-se há vários meses Gertrudes Tovela declarou que: “Fizemos tudo o que podíamos para que esta situação fosse evitada mas esta nossa relação com este provedor está tão amarrada, tão amarrada que outras soluções para mitigar o problema não tinham espaço”.
“Uma das condições que o provedor coloca: enquanto se estiver a usar a minha aplicação não se pode usar uma outra, então por mais que nós tivéssemos uma solução nem espaço para testar podíamos por que estamos amarrados a um contrato que não deixa alternativas”, revelou.
No entanto a Presidente da Comissão Executiva (PCE) desta empresa Gestora da Rede Única Nacional de Pagamentos, Sariel Nhabinde, admitiu que “A SIMO não tem contrato com o dono do sotfware com o pressuposto que usaria a plataforma que adquiriu” à InterBancos, SA, empresa que durante 14 anos operou a rede Ponto 24 que conectava apenas o BCI, o FNB Moçambique, o Moza Banco, o Banco Único, o BTM, o Standard Bank, a CPC, o Capital Bank, o Banco Oportunidade, a Socremo e o Banco Mais.
“Com a aquisição da plataforma Ponto 24 o pressuposto era para usar esta plataforma para processar a SIMO rede, mas depois da assinatura dos contratos e pagamentos dos acordos com os accionistas o provedor do software apresentou uma situação em que a SIMO rede não podia usar o software porque não licenciou a SIMO rede para o usar mas ao Ponto 24. Mas o pressuposto pelo qual foram desencadeadas várias acções de aquisição da Interbancos foi no pressuposto de usarmos esta plataforma toda para processar a SIMO rede”, aclarou a PCE da SIMO.
Milhões pagos em Agosto “não confere quaisquer direitos à SIMO ou à InterBancos para poderem utilizar o software da BIZFIRST”
O @Verdade contactou a empresa portuguesa provedora do software, denominada BIZFIRST-Business First Consulting S.A., que em comunicado começou por assegurar “não ter qualquer responsabilidade no ocorrido, bem pelo contrário, pois tudo fez, em mais de dois anos, para evitar o actual ‘status quo’, única e lamentavelmente imputável às entidades competentes”.
A BIZFIRST revelou ter sido contactada por Administradores da SIMO e a 4 de Março 2016 rubricaram o Memorado de Entendimento “segundo o qual a SIMO se comprometeu a, designadamente, celebrar contratos onerosos com a BIZFIRST respeitantes ao licenciamento da utilização do “Sistema Bizfirst” e, consequente, prestação de serviços de suporte técnico e manutenção”.
“Durante mais de dois anos, a SIMO recusou-se a assinar os aludidos contratos com a BIZFIRST, incumprindo reiterada e culposamente com as obrigações assumidas no MoU que assinaram, apesar das muitas tentativas e cedências da BIZFIRST, em que a BIZFIRST cedeu “inclusive” em questões como o preço. Por outro lado e não menos importante, cumpre salientar que a SIMO, até à data, nada pagou à BIZFIRST”, esclareceu num comunicado assinado pelo Presidente do Conselho de Administração da BIZFIRST, Avelino Ribeiro.
De acordo com a empresa portuguesa: “durante mais de dois anos foi, então, usado ilícitamente pela SIMO/InterBancos o software da BIZFIRST, para processar a nova rede interbancária SIMOrede, reiterando-se, sem nunca a SIMO ou a InterBancos terem pago algum valor à BIZFIRST pelo licenciamento do seu software para o poderem fazer – ou seja, utilização ilícita e não autorizada do software da BIZFIRST sem contratos assinados e sem pagamentos nenhuns efectuados. Foi esta a conduta destas entidades que determinaram a verificação desta indesejada situação!”.
A BIZFIRST declarou que a verba que a SIMO alega ter pago “em Agosto de 2018, não foi sequer paga pela SIMO – foi um pagamento efectuado pela InterBancos devido no âmbito do contrato anual de prestação de serviços de suporte técnico que estava em vigor na altura, na sequência da renovação do serviço, o qual não confere quaisquer direitos à SIMO ou à InterBancos para poderem utilizar o software da BIZFIRST à data presente”.
A provedora de software revelou ainda que os contratos que tinha com a InterBancos, “foram resolvidos com justa causa a 2/Outubro/2018, no seguimento de ter sido deliberado em Assembleia de Accionistas da InterBancos a dissolução dessa empresa, isto após a SIMO ter adquirido a totalidade da InterBancos aos bancos seus accionistas”.
Accionistas da InterBancos cartelizam software e hardware para redes de cartões bancários
Contudo o @Verdade apurou a SIMO nasceu fadada para falhar. Aquando do seu surgimento, e antes de adquirir a Rede Ponto 24, tinha a funcionar uma rede que apenas conectou 10 ATM e pouco mais de meia centena de POSs em todo o país. Aliás Gertrudes Tovela admitiu em resposta ao @Verdade que esse software inicial não pode ser usado como alternativa nesta altura, “o sistema cresceu tanto que ficou descontinuado”.
O @Verdade descortinou que a operação de aquisição da rede Ponto 24 foi negociada com algum dolo por parte da então Administração da Sociedade Interbancária de Moçambique, na altura liderada por Augusto Cândida (que dentre vários cargos na banca foi PCA do Banco Comercial de Moçambique nos finais do anos 90), que deixou os contratos “amarrados” à InterBancos, SA, por forma a manter o Estado nesta situação de pagar milhões de dólares para usar a rede e sem margem para procurar alternativas que a longo prazo tornassem o sistema menos oneroso para os moçambicanos, que em última análise são quem paga a conta cada vez que usam a SIMO rede.
Os accionistas da InterBancos, SA, não só controlam o software da SIMO rede como têm interesses na empresa a Soluções, SA, que comercializa os equipamentos usado pela Rede Única Nacional, nomeadamente as POS e ATM.
Além disso, e apesar da Sociedade Interbancária de Moçambique ter instalações próprias e novas no bairro do Triunfo o @Verdade apurou que até hoje o hardware e software da SIMO rede está a funcionar nas antigas instalações da InterBancos, SA, na avenida Olof Palme, e que tentativas de o movimentarem têm redundado em fracasso.
Ademais o @Verdade sabe que, à parte dos bancos mais pequenos, os principais bancos comerciais aderiram com relutância à SIMO rede que lhes foi imposta pelo Banco de Moçambique em 2014 e os obrigava a fazerem parte da Rede Única Nacional até 2016.
Nesta altura apenas o Millenium Bim e o UBA Bank não estavam completamente integrados da SIMO rede e por isso os cartões dos seus clientes assim como a sua rede de ATM´s e POS´s está operacional.
SIMO rede “pode amanhã começar a funcionar, também pode não começar amanhã”
O @Verdade tem conhecimento que os accionistas da InterBancos, SA, criaram em Moçambique uma outra empresa denominada SIM, que se descreve como “especializada na comercialização de meios de pagamento electrónico e soluções de software”, e que está a trabalhar com o Banco Comercial e de Investimentos para muito em breve passar a operar a sua rede de cartões, ATM´s e POS´s.
A PCA da SIMO rede, que integrava cerca de 70 por cento dos cartões bancários em funcionamento em Moçambique, gerava 465 mil transacções diárias nacionais e uma média de 14 mil, movimentando perto de 10 milhões de dólares norte-americanos, deixou claro que se “chegou ao ponto em que não existe uma solução amigável possível” com a BIZFIRST embora não saiba dizer quando a rede voltará a pagar.
“Sendo franca não tenho dias, temos prevista uma solução a médio e longo prazos e também temos uma solução imediata, pode amanhã começar a funcionar, também pode não começar amanhã, estas soluções tecnológicas tem os seus próprios procedimentos” disse Gertrudes Tovela que está no cargo há poucos meses.
Especialistas do ramo ouvidos pelo @Verdade afiançaram que a instalação e operacionalização de um novo software na SIMO rede vai demorar um mínimo de seis meses “na melhor das hipóteses” e uma integração total demora até 2 anos.
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