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domingo, 22 de setembro de 2019

“Aquilo que é nulo não é reestruturável” afirma professor de Direito constitucional ...

Foto de Adérito CaldeiraO argumento do Governo de Filipe Nyusi que não pode repudiar a dívida inconstitucional e ilegal da EMATUM e por isso está a reestrutura-la com os credores “não há que fazer isso, porque aquilo que é nulo não é reestruturável, não há volta a dar em relação” ao Acórdão do Conselho Constitucional (CC) explicou o professor de Direito Constitucional, António Leão. O docente da Universidade Católica de Moçambique assinalou o quão difícil foi o órgão de soberania “cumprir a sua missão com as armadilhas que tem na própria lei” e disse ao @Verdade que a fiscalização da constitucionalidade das dívidas da Proindicus e MAM pode ter outra jurisprudência pois em Moçambique não há espaço para a criação de precedentes.

O ministro da Economia e Finanças disse a jornalistas, no passado dia 23 de Agosto, que após ouvir vários especialistas de Direito o entendimento do Governo é que Moçambique tem que aceitar a lei que foi acordada para dirimir conflitos resultantes da dívida contraída em 2013 pela Empresa Moçambicana de Atum (EMATUM) mesmo violando a Constituição da República, que é a lei do Reino Unido.

“O que ficou claro é que nós temos que negociar, temos que negociar com os bondholders, temos que fechar, temos de negociar com os bondholders de boa-fé”, esclareceu o ministro Adriano Maleiane, num encontro informal com editores dos meios de comunicação em Moçambique, onde argumentou que pagar aos credores “de boa-fé” é um adiantamento para que o nosso país possa sair da situação de pais caloteiro que impede a retoma de um Programa financeiro com o Fundo Monetário Internacional, veda o acesso aos mercados de capitais e até limita os financiamentos de instituições multilaterais e os milhões serão recuperados através das acções que a Procuradoria-Geral da República está a encetar contra os moçambicanos que se beneficiaram das dívidas ilegais e também contra o Grupo Privinvest.

No entanto professor de Direito Constitucional, António Leão, deixou claro que “não há que fazer isso, porque aquilo que é nulo não é reestruturável, não há volta a dar em relação” ao Acórdão do Conselho Constitucional que declarou “a nulidade dos actos inerentes ao empréstimo contraído pela EMATUM,SA, e a respectiva garantia soberana conferida pelo Governo, em 2013, com todas as consequências legais.”

“O poder Executivo deve, salvo melhor opinião, abster-se de praticar actos tendentes a co-validação, sanação ou reestruturação. Em segundo lugar nenhum tribunal pode condenar o Estado moçambicano a praticar actos devidos em substituição de actos declarados nulos”, declarou o académico da Universidade Católica.

Estado tem responsabilidade civil pelos danos causados por actos ilegais dos seus agentes

Foto de Adérito CaldeiraIntervindo na Conferência que o Instituto de Estudos Sociais e Económicos (IESE) organizou na semana finda em Maputo, António Leão detalhou os efeitos específicos decorrentes do facto desta decisão ter sido proferida pela jurisdição constitucional: “em primeiro lugar esta decisão tem força obrigatória geral, se tivesse sido tomada por um tribunal Administrativo ainda podia haver recurso para a instancia superior, a partir do momento em que foi tomada pelo Conselho Constitucional esta decisão tem forma obrigatória geral e é irrecurrível, não há recurso para esta decisão, tem por isso força de lei”.

Ademais, o facto do Governo de Nyusi não cumprir a decisão do CC, “é um dos poucos casos, a desobediência a uma decisão do Conselho Constitucional, em que a Constituição de pronuncia expressamente sobre a criminalização dos actos de desrespeito por uma decisão da jurisdição constitucional, constitui crime de desobediência a prática de actos subsequentes que sejam contrários a uma decisão desta natureza”.

Mas o professor Leão entende que a “declaração de nulidade abre imediatamente a porta para uma outra forma de tutela para estes terceiros de boa fé que eventualmente estejam aqui a ser prejudicados, que é a figura da responsabilidade civil do Estado por actos ilegais da função Administrativa”. “A fonte de obrigação já não são o empréstimo ou o aval conferido pelo Estado mas a responsabilidade civil do Estado pelos danos causados por actos ilegais dos seus agentes causados no exercício das suas funções sem prejuízo naturalmente do direito de regresso à favor do Estado. É neste plano, salvo melhor opinião, que deverá ser discutida a tutela dos terceiros de boa fé, não me parece que seja possível fazer algo mais, ou algo diferente relativamente a isto”, afirmou o professor da Universidade Católica de Moçambique.

Nulidade da dívida da EMATUM não garante que Conselho Constitucional tenha decisão igual para os empréstimos da Proindicus e MAM

Foto de Adérito CaldeiraAinda no entendimento do docente, o primeiro constitucionalista que se pronuncia sobre o caso desde a decisão do CC, “se há uma genuína vontade de acautelar o interesse de terceiros de boa fé, como acredito que haja, há que escolher os mecanismos jurídicos e processuais adequados (...) a fonte da obrigação já não é o empréstimo ou aval, a fonte da obrigação é o Estado não ter controlado bem os seus funcionários e agentes e por isso deve indemnizar os particulares que tenham sido prejudicados com estas práticas”.

António Leão enfatizou o quão “é difícil o Conselho Constitucional cumprir a sua missão com as armadilhas que tem na própria lei. Todos actos do Estado são subordinados a Constituição e depois há uma norma a dizer que só pode fiscalizar norma deixando de lado todo um conjunto de actos inconstitucionais praticado pelo Governo”.

Questionado pelo @Verdade se baseado no Acórdão sobre a nulidade da dívida da EMATUM os moçambicanos podem esperar que o CC também declare nulos os empréstimos das empresas Proindicus e MAM, contraído em situação similar de violação da Constituição da República e das leis orçamentar, o professor Leão revelou que “não há de todo” qualquer precedente, “há qualquer momento o Conselho Constitucional pode mudar a sua jurisprudência, deverá fundamentar porque mudou, mas nada obriga que seja dessa maneira”.



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