A reconstrução da Cidade da Beira, da restante Região Centro massacrada pelo Ciclone Idai e das zonas fustigadas pelo Ciclone Kenneth no Norte de Moçambique, “é um projecto a 5 anos” revelou em entrevista ao @Verdade Francisco Pereira. Dentre os vários desafios da “Missão Patriótica” para que foi indigitado o director-executivo Gabinete de Reconstrução Pós-Ciclones explicou quão complexo será montar o “puzzle” das necessidades de milhões de moçambicanos afectados, a intervenção das várias instituições governamentais e preferência dos doadores, “todo o dinheiro vem com endereço e depois não é todo ao mesmo tempo”.
Seis meses após o mais mortífero e devastador ciclone de que há memória e embora o Secretário-Geral da Organização das Nações Unidas, António Gueterres, tenha afirmado que os países mais ricos que causaram as Mudanças Climáticas tem a obrigação de apoiar Moçambique, dos 3,2 biliões de dólares norte-americanos que foi quantificada a recuperação e reconstrução da Cidade da Beira assim como de 64 distritos em sete províncias o nosso país conseguiu, na Conferência de Doadores que aconteceu em Junho, promessas de apenas 1,3 bilião de dólares.
“Desse montante já estão confirmados um pouco mais de 1 bilião, ainda há cerca de 250 milhões por confirmar de entidades que comprometeram-se em contribuir. Cerca de 600 milhões, 470 (milhões de dólares) do Banco Mundial e 130 (milhões de dólares) do Banco Africano, já estão discutidos, acordados e estão a ser entregues à medida que os projectos estão a ser implementados”, precisou em entrevista ao @Verdade o director-executivo Gabinete de Reconstrução Pós-Ciclone Idai.
Francisco Manuel da Conceição Pereira revelou que “a União Europeia, por exemplo, falou em 200 milhões de euros, mas agora vem dizer que só em 2020, depois das eleições, muitos daqueles países que fizeram as os seus anúncios de contribuições, incluindo a USAID, diz que vai dar, DFID, vai dar mas não definiu quanto, enquanto estamos a preparar os projectos estamos sempre a pressionar os doadores quando é que estão disponíveis essas verbas”.
O engenheiro civil que já foi vice-ministro das Obras Públicas deu a conhecer ao @Verdade várias das intervenções de emergência que aconteceram: “com o Banco Mundial, conseguimos há 2-3 meses atrás um adiantamento do bolo total de 65 milhões de dólares. 35 milhões (de dólares) foram para as estradas, para fazer estradas terceárias, ligações que tinham sido perdidas nas província do Centro e Norte, 10 milhões de dólares para o sistema de abastecimento do água da Beira, estão a ser feitas novas secções de tubagem, e 10 milhões para a agricultura, através da FAO foram distribuídas sementes e insumos agrícolas para se resolver o problema da primeira época de chuvas. Algumas centenas de salas de aulas, que tinham problemas de cobertura fundamentalmente, já estão reabilitadas e isso já foi feito com fundos de outros doadores”.
Protecção costeira, drenagem da Cidade da Beira e reabilitação definitiva da N6 “entre Junho e Julho do próximo ano”
Relativamente à reconstrução e intervenções de fundo Pereira foi claro “é um projecto a 5 anos, eu julgo que é pouco para o desastre que foi. Nós no programa que apresentamos ao Conselho de Ministros, no dia 13 de Agosto, e foi aprovado, indicamos que a maioria das actividades começarão a ser realizadas apenas em 2020”.
“As grandes obras como a protecção costeira, a drenagem da Cidade da Beira, a reabilitação definitiva da N6 são projectos que exigem normalmente um estudo de impacto ambiental, exigem depois o lançamento do concurso do consultor (30 a 45 dias) que vai fazer o projecto de execução detalhado (proposta vem vai para os ministérios respectivos 2 a 3 meses) e só depois lança-se o concurso de construção. Significa que todas estas grandes actividades, que estão neste momento a contratar os consultores que depois vão, num período de 3 a 5 meses, fazer o projecto de execução e só depois é que se lança a obra. Portanto as actividades destes grandes projectos o início aconterá entre Junho e Julho do próximo ano”, explicou ao @Verdade.
Pereira, que na década de 90 liderou um projecto de reabilitação urbana das cidades de Maputo e da Beira, esclareceu ainda ao @Verdade que: “A zona da Beira porque está a um nível mais baixo das águas do mar está muito volátil por isso que um dos projectos mais importantes é a protecção costeira, vamos despender 60 milhões de dólares, 30 (milhões de dólares) do Banco Mundial e 30 (milhões de dólares) dos holandeses, que é para fazer diques que permitam diminuir a intensidade hidráulica do mar, quebra mar quando há mau tempo, enchimento das praias, como se fez aqui em Maputo, para que seja o primeiro contraforte do impacto, uma cobertura vegetal de mangal ao longo da costa e uma estrada de costa que permita segurar bem aquela zona. É insuficiente para a totalidade mas vai ser alguma barreira física”.
“Também vamos ter um projecto de drenagem, quando a maré enche a água tem que ser expulsa com um sistema de bombagem, por gravidade só não sai por isso vai-se aumentar o sistema (do Chiveve) que foi reabilitado, algumas das comportas e válvulas vão ser aumentadas, temos outros 60 milhões (de dólares) para esse trabalho”, pormenorizou o director-executivo Gabinete de Reconstrução Pós-Ciclone Idai.
“Todas as escolas devem ser centros de refúgio”
Segundo Francisco Pereira existem ainda “os projectos de Educação e Saúde, alguns vão andar mais depressa porque cada escola tem um projecto pois não foram danificadas da mesma maneira, então vamos ter chance de já no fim do ano lançar os concursos para as obras, já estão neste momento em exercício alguns consultores que estão a fazer os projectos de revisão”.
Além disso o projecto “escola segura”, revelado em 2016 pelo @Verdade, vai ser parte integrante da matriz da reconstrução das infra-estruturas de Educação e da Saúde, “todas as escolas devem ser centros de refúgio, para isso construir-se, por exemplo, a área de recreação num plano mais elevado para onde as famílias podem ir mais rapidamente em caso de inundações. Criar nas escolas salas resilientes às calamidades onde as pessoas possam aglomerar-se numa primeira fase para não perderem a vida”, indicou Pereira.
Programa de Habitação “que cada casa não ultrapasse os 2 a 3 mil dólares, para que se consiga 15 a 20 mil casas”
O director-executivo Gabinete de Reconstrução Pós-Ciclone Idai deu a conhecer ao @Verdade o conceito do grande Programa de Habitação: “o país perdeu no conjunto cerca de 300 mil casas, sendo 240 mil na Região Centro e 50 mil na Região Norte. Estas casas foram totalmente destruídas e as pessoas foram reassentadas, na ordem de 60 mil em 20 Centros. Neste locais a reconstrução é total, porque estão em tendas de loca que serão substituídas por habitações novas”.
“Mas essas novas habitações vão ser construídas com o esforço das famílias, nós vamos oferecer os materiais de construção, porque são muito pobres e vulneráveis, mas tem de haver um contributo das famílias até para se apropriarem das casas. Vamos fazer aqueles modelos protótipos, para as pessoas darem as suas opiniões, mas não podemos esticar muito porque temos de fazer bem, com as medidas de resiliência que as vezes não colocadas, pode haver outro ciclone mas não pode haver outro desastre”, aclarou Pereira.
O experiente engenheiro civil e antigo governante afirmou que “logo à seguir ao desastre nós avaliamos em 600 milhões de dólares o custo do Programa de Habitação. Neste momento temos menos de 100 milhões, do Banco Mundial e de outras organizações. É claro que quando iniciarmos o Programa pensamos que poderemos ter mais recursos. Temos alguns critérios as famílias numerosas, as famílias dirigidas por mulheres, por crianças ou por idosos que não tem capacidade de trabalho terão prioridade, é um trabalho duro mas o que é certo é que os recursos não chegam, são de uma dimensão muito grande e não havia hábito dos Parceiros apoiarem a Habitação.
“Estamos tentar que cada casa não ultrapasse os 2 a 3 mil dólares, para que se consiga 15 a 20 mil casas, que são 10 a 15 por cento das necessidades actuais, embora saibamos as famílias são muito resilientes e muitas delas não esperaram e começaram com os poucos recursos que tinham a reconstruir”, detalhou.
Francisco Pereira acredita que “o Programa de Habitação pode começar este ano porque não exige projectos especiais, o que exige é organização no terreno muito grande. Nós temos de abrir um concurso para contratar fornecedores de materiais de construção, queremos que montem pequenos armazéns nas zonas onde vamos recuperar mais casas para as famílias não terem muito trabalho de irem buscar os materiais e escolher, entre elas as mais vulneráveis, e aí vamos contar com as Organizações Não Governamentais e órgãos locais que tem experiência nesses assuntos”.
Reconstrução pós-ciclone Kenneth na Ilha do Ibo e Macomia
No entanto, e embora o responsável para reconstrução pós-ciclones considere que o Programa de Habitação seja “mais aliciante”, não tem dúvidas que será “mais desafiante também porque vamos lidar com famílias, caso a caso. Vamos fazer as casas mas também os acessos, a água e o saneamento, e temos que pensar que as pessoas tem que produzir, não podem estar de mão estendida, então podem ficar muito longe de um local onde possam produzir, ou aqueles que são da pesca temos de ver como vão continuar a pescar, este é o drama que temos porque refazer a vida das pessoas não é uma coisa simples”.
De acordo com Pereira o Programa de Habitação será implementado “nas zonas de reassentamento, nas zonas urbanas, mais próximo da Cidade da Beira, vamos ter de selecionar casas onde as pessoas estão lá embora tenham perdido tecto, etc”. “Temos ainda as zonas rurais onde a pessoas perderam tudo mas não foram reassentadas porque não quiseram largar as suas machambas, preferiram ficar lá com umas tendas, uns plásticos em cima, etc, e aí também temos de intervir”, anotou Francisco Pereira.
Relativamente a reconstrução da devastação deixada pelo ciclone Kenneth, particularmente na Província de Cabo Delgado, e cujos custos iniciais estão estimados em 224,4 milhões de dólares, Pereira declarou ao @Verdade que “contrariamente a zona Centro não houve necessidade de reassentar porque as casas eram feitas de pau a pique e com coberturas de vegetais e muitas delas caíram, mas já voltaram a ser reerguidas. Vamos tentar fazer um grande projecto na Ilha do Ibo, foi muito danificada, onde toda habitação foi-se embora, temos financiamento da Cooperação italiana que nos vai ajudar. Macomia foi outro local afectado e de resto foram escolas, hospitais e Administração, fundamentalmente tectos”.
“Nós temos que contar que vai haver mais ciclones, com maior frequência e com maior intensidade”
Indigitado pelo Governo para a “Missão Patriótica” de reconstrução o reformado quadro das Obras Públicas revelou que um dos primeiros desafios que tem enfrentado é “coordenar todos os ministérios que foram afectados e estão envolvidos na implementação e vários doadores, fazer este puzzle, doadores que tem as suas preferências, não dão dinheiro para fazermos o que queremos, eles discutem primeiro com as agencias de implementação do global o que acham que podem financiar um montante para Educação, outro para Saúde, todo o dinheiro vem com endereço e depois não é todo ao mesmo tempo, é por tranches”.
“Estes ciclones tiverem desastres e tragédias mas teve uma vantagem, na minha opinião, nos acordou a todos que estamos agentes da construção, manutenção e reabilitação que não se pode mais inventar as coisas que já estão inventadas há muito tempo, é preciso fazer as coisas bem. Se não há dinheiro tem que se fazer menos, nós encontramos projectos com financiamento externo mal feitos. Também para diminuir custos as pessoas não contratam fiscalização, nos projectos financiados não pode ser, está na lei, é obrigatório e temos de cumprir até nos materiais usados”, recordou Francisco Pereira.
O experiente quadro das Obras Públicas desejou na entrevista @Verdade “que não haja mais nada (Calamidade) enquanto não acabarmos o Programa de Reabilitação”, no entanto está consciente da realidade e alertou “nós temos que contar que vai haver mais ciclones, com maior frequência e com maior intensidade”.
Pereira deixou uma recomendação: “No futuro nem sempre vai ser possível fazer conferências para doadores nós temos que ter instrumentos internos, que haja uma contribuição anual do orçamento para um fundo que possa pelo menos iniciar um processo semelhante e não ficar a espera dos doadores, o país tem que estar preparado para isso”.
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