No dia em que Maputo voltou a ser a cidade mais quente de Moçambique a Organização Meteorológica Mundial (OMM) anunciou que 2019 deverá ser o segundo ano mais quente da história apenas atrás de 2016, quando um forte El Niño piorou ainda mais o ritmo de aquecimento do planeta. Há 3 anos, na véspera do Dia da Família, a temperatura máxima na capital moçambicana foi de 46,5 graus Celsius.
Os moçambicanos têm cada vez menos dúvidas que o clima já não é o mesmo de outrora, antes dos habitantes da Região Centro serem massacrados no início deste ano pela “pior tempestade de sempre no Hemisfério Sul”, segundo a Organização das Nações Unidas, milhões de cidadãos vivem desde 2016 a pior seca dos últimos 35 anos no Sul de África.
Para os privilegiados maputenses que decidem o rumo do país, os 42,7 graus Celsius registados na passada terça-feira (03) devem ter recordado o tórrido calor de 24 de Dezembro de 2016 e as diluvianas chuvas que num curto espaço de tempo deixaram a chamada cidade das acácias inundada. São as Mudanças Climáticas que todos os dias se tornam cada vez mais evidentes diante da passividade dos nossos políticos que em vez de acções mais ousadas para combater o aquecimento global vêm nelas mais uma oportunidade para peditórios.
Na 25ª Conferência anual das Nações Unidas sobre as Alterações Climáticas, que iniciou na segunda-feira (02) na capital espanhola, Moçambique não estará representando ao mais alto nível mas apenas pelo Ministro da Terra Ambiente e Desenvolvimento Rural, Celso Correia que leva como principal agenda pedir dinheiro para o Fundo de Gestão de Calamidades e mais urgentemente conseguir ajuda para o Plano de Contingências da Época Chuvosa que estamos a vivenciar.
Contudo a julgar pelo recente relatório sobre o Estado do Clima dias mais quentes virão assim como chuvas, ciclones e secas mais destrutivas, é que a temperatura média deste ano (de Janeiro a Outubro) já está cerca de 1,1 graus Celsius acima da observada no período chamado de pré-industrial, entre 1850 e 1900.
O aquecimento, afirma a Organização Meteorológica Mundial, está directamente relacionado com o aumento da concentração de gás carbónico (CO2) na atmosfera, que bateu novo recorde no ano passado - de 407,8 partes por milhão (ppm) - e deve ter nova alta neste ano. A concentração de 2018 corresponde a 147 por cento dos níveis anteriores a 1750.
Como o gás permanece por séculos na atmosfera, o efeito estufa vai se intensificando, aumentando a temperatura e mudando o clima do planeta.
“Um dos principais impactos das mudanças climáticas são os padrões de chuvas mais irregulares, são ameaça à produção agrícola”
Se a previsão se confirmar (o relatório final sai em Março de 2020), o período entre 2015 e 2019 ficará marcado como os cinco anos mais quentes da história; assim como a década (entre 2010 e 2019) será também a mais quente do registo científico. Desde 1980, cada década subsequente foi mais quente que a anterior.
A OMM alertou que os oceanos, que absorvem mais de 90 por cento do excesso de energia acumulada no sistema, o cenário é ainda pior que em terra. Como já tinha ocorrido em 2018, em 2019 o aquecimento dos mares deve bater novo recorde. E houve um aumento de ondas de calor marinas. Até Outubro, os oceanos tiveram cerca de 1,5 mês de temperaturas incomumente altas.
Por absorverem também uma boa parte do CO2 da atmosfera (cerca de 22 por das emissões anuais entre 2009 e 2018), os oceanos estão a sofrer cada vez mais uma redução do pH. A chamada acidificação já é 26 por cento maior desde o início da Revolução Industrial.
“No dia a dia, os impactos das Mudanças Climáticas são observadas nas condições meteorológicas extremas e anormais. Ondas de calor e inundações que costumavam ocorrer uma vez num século estão a tornar-se mais regulares. As Bahamas, o Japão e Moçambique sofreram o efeito de ciclones tropicais devastadores. Incêndios florestais varreram o Ártico e a Austrália”, disse em comunicado o secretário-geral da OMM.
Petteri Taalas alertou que “um dos principais impactos das mudanças climáticas são os padrões de chuvas mais irregulares. Isso representa uma ameaça à produção agrícola e, combinado com o aumento da população, significará desafios consideráveis à segurança alimentar para países vulneráveis no futuro”.
Deltas do Zambeze serão completamente inundadas por causa da subida do nível do mar
Em 2015 o professor da Faculdade de Agronomia e Engenharia Florestal da Universidade Eduardo Mondlane (UEM), Rui Brito, projectou os impactos das Mudanças Climáticas na agricultura de sequeiro praticada em Moçambique, particularmente na produção do milho, mapira, mandioca, amendoim, algodão e soja.
“Na zona norte vai haver um ligeiro aumento (da produção de milho), devido ao aumento da chuva. Nós vamos ter um balanço positivo mas na zona Centro vamos ter rendimentos mais baixos, portanto no futuro estamos a antever perca na ordem dos 400 quilos por hectares, mais ou menos equivalente a um decréscimo de 15 por cento da produção. Na zona de Tete estamos a prever que o rendimento da agricultura em sequeiro vai baixar só por causa da mudança do regime hídrico”, prognosticou Brito.
Olhando só para a temperatura o académico da UEM projectou que “quando ela sobe o ciclo da cultura fica um pouco menor e isso tem efeitos nos rendimentos. Na mandioca (que é uma planta que dura o ano todo) o rendimento será mais positivo. Se em termos médios a temperatura aumentar 2,1 graus Celsius nós teremos um rendimento médio da mandioca superior a 6 por cento. Mas olhando para as outras culturas esta subida vai afectar os rendimentos na ordem dos 11 por cento negativos”.
“Outro problema é a concentração de ozono, tem efeito na taxa de respiração e, quanto maior for o ozono menor será o rendimento da planta, e aqui está-se a prever subidas na ordem de 23 partes por milhão, em termos médios em todo o país, há um impacto diferenciado para as culturas sendo o algodão o mais afectado e o milho e a mapira serão os menos afectados. No âmbito da subida da concentração de ozono equivale a um decréscimo na ordem de 37 por cento na produção de algodão, soja 28%, amendoim e mandioca 14 por cento e mapira menos 9 por cento”, conjecturou ainda Rui Brito.
O Professor Rui Brito alertou ainda que a subida do nível do mar, em consequência do degelo resultante do aumento da temperatura global é outra dificuldade para o grande potencial de produção agrícola que Moçambique tem. “Hoje as regiões dos deltas do Zambeze e do Save são áreas produtivas mas no futuro serão completamente inundadas por causa da subida do nível do mar. No Zambeze por exemplo teremos (em 2046-2065) 240 quilómetros quadrados de áreas actuais de cultivo que vão ser completamente inundadas, no Búzi 19 quilómetros quadrados e no Save 170 quilómetros quadrados”.
via @Verdade - Últimas https://ift.tt/34MtKql
0 comments:
Enviar um comentário