Faleceu nesta terça-feira (11) Marcelino dos Santos, vítima de doença, a poucos meses de comemorar 91 anos de idade. Um dos fundadores da Frente de Libertação de Moçambique, combatente da Luta Armada, Governador provincial, ministro, presidente da Assembleia Popular, nunca chegou a Presidente da República, acredita-se por causa da cor da sua pele e da mulher com quem casou-se. Usando a poesia declarou o seu amor à pátria pela qual lutou incansavelmente: “Oh Moçambique, meu país bem amado”.
No lento balancear das palmeiras
torcendo-se em movimento melancólicos
eu canto-te o meu amor
No saltitar contente
dos peixes trazidos nas redes
dos homens que vêem do mar
eu canto-te o meu amor
Na lua que vem escutar o tam tam
a voz de meus irmãos
eu canto-te o meu amor
No xirico traquino
cantando o sol nas gotas de suor
do meu dorso nú
eu canto-te o meu amor
Brincando nos ramos das mangueiras e dos cajueiros
na ânsia de colher o fruto mais alto
eu canto-te o meu amor
Correndo nos caminhos
brincando com uma de meia
e uma enxada nos campos de milho e amendoim
eu canto-te o meu amor
Nas correntes que me prendem os pés, as mãos e a voz
e cerram o lírio vermelho do meu coração
eu canto-te o meu amor
Quando vendido as minas do Transval pelos senhores
eu volto em cada grão
de poeira de carvão
eu canto-te o meu amor
Quando o meu corpo se confunde com o cimento
e as casas e as estradas são da cor do meu sangue
eu canto-te o meu amor
Quando cada moeda
caindo nos cofres da civilização
é o grito de uma mãe chorando a morte do seu filho
eu canto-te o meu amor
E pela força desse mesmo amor
oh Moçambique
meu país bem amado
oh minha terra querida
que séculos de escravidão
foram impotentes para calar o teu coração
Que séculos de escravidão
apenas tornaram mais forte a força da tua razão
eu ergo o meu braço
e forte do humano ódio
daquele que não quer ser escravo porque é homem
empunharei de novo a minha lança
e destruirei esse monstro
que engendrou homens
cuja existência não tem manhã humanas
Esse monstro que criou homens inimigos do homem
esse monstro que no desespero da sua agonia
absorve ainda sangue quente das suas últimas vítimas
Oh Moçambique
meu país bem amado
os teus filhos entoam já este canto
que percorre a África inteira
Este canto nascido do ódio
à escravatura
à fome
à miséria
Este canto de esperança
este canto de certeza
este canto do amor natural
Do Lumbo à Herói Nacional
Estas são palavras do poeta e revolucionário nascido no Lumbo, na Província de Nampula, a 20 de Maio de 1929. Marcelino dos Santos cresceu na Cidade de Lourenço Marques, hoje Maputo, até aos 18 anos de idade rumar para Portugal para fazer os estudos superiores. Acabou por formar-se em Ciências Económicas e Sociologia na Universidade de Sorbonne, em França.
Em 1957 participou da fundação do Movimento Anti-Colonial, três anos mais tarde tomou parte na criação da Conferência das Organizações Nacionalistas das Colónias Portuguesas e tornou-se membro da União Democrática Nacional de Moçambique (UDENAMO).
Aos 33 anos de idade trabalhou ao lado de Eduardo Mondlane na união dos principais movimentos de resistência à ocupação colonial de Moçambique que culminou com o surgimento da Frente de Libertação de Moçambique, cujos estatutos é lhe atribuída a paternidade.
Em 1964 exerceu o cargo de secretário para os assuntos externos e com o assassinato de Mondlane foi eleito para o triunvirato que dirigiu a FRELIMO, ao lado de Uria Simango e Samora Machel. Entre 1969 e 1977 exerceu o cargo de vice-presidente da então Frente de Libertação.
Foi o primeiro ministro da Planificação Económica, em 1983 ocupou o cargo de Governador da Província de Sofala, durante os mais conturbados momentos da guerra civil, antes de ser indigitado em 1989 para presidir o primeiro Parlamento do nosso país na altura denominado Assembleia Popular, até ao início do multipartidarismo em Moçambique.
Um dos poucos quadros da FRELIMO com formação superior, de experiência reconhecida e com conhecimentos e contactos mundiais na altura da independência Marcelino dos Santos deixa a percepção que só não chegou a Presidente da República devido a cor da sua pele e da mulher que escolheu amar, uma cidadã sul-africana branca.
Devido a ausência do Presidente Filipe Nyusi e do seu Governo da capital do país, estão em Cabo Delgado, não foi ainda declarado Luto Nacional nem são conhecidos os detalhes do último adeus a Marcelino dos Santos, declarado Herói Nacional em 2015.
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