Há, no país, uma percepção generalizada de que a ginástica é, regra geral, uma actividade que se desenvolve apenas por uma questão de saúde ou, se pretendermos, de qualidade de vida. Poucos, senão os especialistas em matérias desportivas, têm o pleno conhecimento de que longe de uma simples acção, a ginástica é uma modalidade desportiva, como é o futebol, o basquetebol, o andebol, entre outras.
Em Moçambique, como aliás sucede em vários países do mundo, a ginástica conta com uma federação, um corpo directivo e associações em algumas províncias. Contudo, só para não variar, é, tal como muitas, uma modalidade desportiva desvalorizada pelas estruturas de direito.
Nesta edição, publicamos a entrevista com Edmundo Ribeiro, presidente da Federação de Ginástica de Moçambique (FGYM), que explicou porque é que em Moçambique a ginástica não tem "pernas" para andar.
@Verdade: Quando é que surgiu a Federação de Ginástica de Moçambique?
Edmundo Ribeiro: A Federação de Ginástica de Moçambique iniciou as suas actividades em 2006, na altura enquanto comissão instaladora, tendo concluído o processo de legalização em 2009 com a publicação dos estatutos no Boletim da República. Em Setembro de 2010 organizou-se o processo eleitoral que elegeu o actual corpo directivo.
@V – O que é ginástica?
ER – Em linhas gerais, pode-se considerar a ginástica uma actividade desportiva complexa e multidisciplinar. Ela pode ser praticada com ou sem aparelhos, individualmente ou em grupos, com ou sem objectivos competitivos. É constituída por 39 especialidades agrupadas em oito modalidades independentes:
- Ginástica Artística Desportiva Masculina (com seis especialidades);
- Ginástica Artística Desportiva Feminina (com quatro especialidades);
- Ginástica Rítmica Desportiva (com cinco especialidades);
- Ginástica Acrobática Desportiva (com seis especialidades);
- Trampolins (seis especialidades);
- Tumbling (duas especialidades);
- Ginástica Aeróbica Desportiva (oito especialidades); e
- Ginástica Geral (duas especialidades).
No nosso caso particular, seguindo o exemplo de outras federações, como é o caso da África do Sul, integramos a modalidade de Rope Skipping (salto acrobático com corda) composta por duas disciplinas, nomeadamente o Single Rope (salto com uma corda) e o Double Dutch (salto com duas cordas).
@V: O que se pode dizer do estado actual da ginástica em Moçambique?
ER – É preciso contextualizar a ginástica no país. O primeiro momento é referente ao período que se segue até à proclamação da independência nacional, em que a modalidade era considerada de elite, com poucas infra-estruturas e praticantes maioritariamente de origem portuguesa.
O segundo é o da era pós-independência, em que a ginástica conheceu uma paralisação, com o registo de um abandono compulsivo dos seus praticantes para o seu país de origem, Portugal. Todas as infra-estruturas e os respectivos equipamentos deixaram de existir, fazendo com que esta modalidade conhecesse uma interrupção a nível federado.
@V: E o que se passou neste último período?
ER – Neste último período a actividade passou a não ser desportiva, virando-se apenas para as cerimónias de abertura e encerramento de grandes eventos, como o são, por exemplo, os festivais nacionais de Jogos Desportivos Escolares. Por este motivo, pode-se considerar que a ginástica em Moçambique, como desporto, está num nível muito baixo.
Não existem infra-estruturas nem equipamentos adequados; não são exploradas as modalidades da família gímnica e, das poucas praticadas no país, os respectivos técnicos e juízes, para além de inexperientes, estão em número reduzido; não existe competição a nível federado e o número de praticantes é insignificante; nem todas as províncias possuem associações de ginástica e as que existem não têm recursos para o seu funcionamento.
@V – E nestes dois anos de existência da federação não foi feito um trabalho com vista a recuperar esta modalidade?
ER – Olhando por essa perspectiva, da nossa existência nesses dois anos, devo dizer que formámos professores em matérias de ginástica; introduzimos outra dinâmica na modalidade e promovemos mais eventos da modalidade. Estamos a trabalhar de modo a colocar a ginástica desportiva no patamar desejado.
@V – Quais são os problemas que a modalidade enfrenta?
ER – Falta de infra-estruturas para a prática da modalidade; falta de material para a desenvolver a modalidade; falta de equipamento desportivo; falta de instalações para o funcionamento da federação bem como para as respectivas associações provinciais; falta de corpo técnico especializado e em número suficiente para as diversas disciplinas que perfazem a ginástica; financiamento insuficiente por parte do Governo e dificuldades junto aos patrocinadores por não se tratar de uma modalidade desportiva de massas; complicações no tocante à oficialização de algumas associações provinciais, bem como a indisponibilidade a tempo inteiro dos membros do corpo directivo da federação.
@V – E quais são os desafios que isso impõe?
ER – Conseguir parcerias e financiamentos para a construção de infra-estruturas bem como para a aquisição de equipamento diverso para a ginástica. Precisamos urgentemente de tornar federada esta modalidade, realizando, anualmente, no mínimo, uma competição nacional.
Temos de formar especialistas nacionais para as oito modalidades bem como instalar no país os conselhos técnicos de ajuizamento. Neste momento estamos a realizar um trabalho de sensibilização dos membros para que passem a estar ao inteiro dispor da federação de modo a levarmos avante este desporto.
@V – Em que pontos do país se pratica a ginástica?
ER – É na cidade de Maputo onde temos um maior número de praticantes, mais modalidades da mesma e realização de competições, bem como de festivais. Apesar das dificuldades, na cidade capital é praticada a ginástica artística desportiva, a ginástica acrobática desportiva, a ginástica aeróbica desportiva, os trampolins, a ginástica geral e o Rope Skipping. A situação é razoável nas províncias de Maputo, Inhambane, Sofala e Zambézia. Nas restantes províncias não temos a prática de uma única modalidade sequer.
@V – E que investimento tem sido feito nesses locais em que se pratica a ginástica?
ER – O apoio tem sido apenas no que ao material desportivo diz respeito: cordas, arcos e material de ajuizamento para o Rope Skipping. Mas, como disse, temos falta de recursos.
@V – Em termos estruturais, em quantos pontos do país existem associações?
ER – Estamos instalados em sete províncias, nomeadamente: Cabo Delgado, Zambézia, Sofala, Gaza, Inhambane, Província de Maputo e Cidade de Maputo. A FGYM tem também núcleos a funcionar, embora com dificuldades, estando os mesmos em processo de oficialização em Nampula, Tete e Manica. A província de Niassa é que não tem ainda uma situação definida.
@V – A ginástica é uma modalidade com futuro no país?
ER – Com os problemas anteriormente enumerados é impossível que a ginástica tenha um futuro promissor em Moçambique. É uma modalidade que requer ainda muito investimento para, acima de tudo, se apostar na formação. Precisamos de reforçar as boas relações com os nossos parceiros actuais, como, por exemplo, a Federação Internacional de Ginástica, o Fundo de Promoção Desportiva (FPD), bem como a Faculdade de Educação Física da Universidade Pedagógica.
@V – Em que se cingiria o reforço dessas boas relações?
ER – Da federação internacional temos de garantir o apoio e a assistência técnica devidos para tornar possível esta modalidade no país; sensibilizar o Fundo de Promoção Desportiva para que reveja o financiamento a nós dirigido com vista ao aumento do mesmo; e firmar uma parceria com a faculdade para que, com as suas delegações noutros pontos do país, possa apoiar na obtenção de talentos, bem como na especialização dos que já praticam.
@V – Qual é o balanço que faz das actividades da federação referente ao ano 2012?
ER – Apesar das dificuldades, o balanço preliminar que fazemos do ano de 2012 indica que cumprimos em 85% as nossas metas.
@V – E quais são os indicadores que apontam para esse sucesso?
ER – Este indicador deve-se à existência de um plano de actividades de acordo com as nossas condições. Tivemos também a sorte de contar com o apoio de alguns parceiros que foram fundamentais para o cumprimento do nosso plano.
Notámos neste período do ano uma participação total dos envolvidos na ginástica no país e muito trabalho colectivo. Isso foi essencial para o nosso sucesso. Este cenário verificou-se também nas províncias onde as associações, com os poucos recursos de que dispõem, tentaram a todo custo movimentar a ginástica.
@V – Quanto é que a federação recebe do Fundo de Promoção Desportiva (FPD)?
ER – A FGYM recebe do FPD 350 mil meticais anuais, dos quais 50% são direccionados às associações e núcleos. Temos recebido também algum apoio da Federação Internacional de Ginástica para a realização de algumas actividades de formação dentro e fora do país.
@V – Tem patrocinadores?
ER – Em 2012 tivemos o apoio do Conselho Municipal da Cidade de Maputo para a realização do festival de ginástica, alusivo aos 125 anos da cidade de Maputo. Tivemos também o grande patrocínio da EMOSE para dois eventos, nomeadamente: o campeonato regional de ginástica e o africano da modalidade, este último que resultou numa medalha de ouro. Até 2010 o principal impulsionador da ginástica no país era o Gabinete da Esposa do Presidente da República.
@V – O apoio do FPD basta?
ER – É preciso perceber que funcionamos através de um contrato-programa, cujo orçamento cobre algumas actividades do nosso plano anual. Nessa vertente, temos a liberdade de definir as actividades prioritárias às quais vamos direccionar os fundos. Temos destacado as actividades de formação, da compra de material desportivo, viagens e premiação dos atletas.
@V – E as outras actividades mesmo fazendo parte do plano anual não têm financiamento?
ER – As restantes actividades dependem do sucesso junto de outras fontes de financiamento, como, por exemplo, os patrocinadores.
@V – A colectividade tem organizado competições internas?
ER – As competições internas regulares acontecem a nível dos jogos desportivos escolares. Mas ocasionalmente as províncias têm também organizado torneios.
@V – E a nível das participações internacionais?
ER – Estamos num bom caminho. A nível da selecção nacional, só no ano passado, conquistámos nove medalhas de ouro e apenas uma de prata, em diversas competições.
@V – No seu entender, como é que se tem olhado para a ginástica no país?
ER – Infelizmente a ginástica no país não é olhada com a seriedade que merece, e isto sucede a todos os níveis. Ainda que ela seja considerada um desporto básico para todos os desportos, em Moçambique não existem condições mínimas para o levar avante.
A nível governamental, apesar do apoio que nos tem sido dado, julgamos que poderia ser feito mais. Não entendemos, por exemplo, como se retirou repentinamente a ginástica aquando dos Jogos Africanos em 2011, visto que foi uma oportunidade perdida para que esta modalidade se possa implantar no país, sobretudo porque podia ganhar muito material, tal como sucedeu com as outras modalidades desportivas.
A nível empresarial, somos mais infelizes ainda, visto que os empresários valorizam mais o retorno de investimento imediato de um dado patrocínio, no que à imagem diz respeito. E como a ginástica em Moçambique não responde a esses requisitos, ela não é o destino do investimento empresarial. A nível do lazer e da qualidade de vida, temos constatado que os cidadãos se têm interessado muito em praticar a ginástica, socorrendo-se dos ginásios e pracetas que existem ao longo do país.
@V – Tem algum projecto concreto em manga?
Queremos criar um sistema de formação e acompanhamento dos monitores actuais, os mesmos que foram formados no nível básico, depois de identificar os que estejam em condições de seguir para outros níveis como, por exemplo, treinadores e juízes, quer de nível nacional, quer internacional; queremos formar coordenadores técnicos por cada região, que, por sua vez, serão responsáveis por auxiliar a formação e a massificação da modalidade; queremos consolidar a prática da ginástica a nível escolar; e continuar com as gravações do programa educativo de ginástica para a televisão pública, inserindo para já as pessoas deficientes.
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