O judo em Moçambique é das poucas modalidades desportivas que ainda consegue levar o nome do país além-fronteiras. Muito recentemente, um judoca moçambicano pisou o maior palco desportivo do mundo e fez parte dos seis atletas que representaram cerca de 23 milhões de moçambicanos. Nesta semana, a conversa foi com Omar Omar, secretário-geral da Federação Moçambicana de Judo (FMJ), que disse ao @Verdade que o país é uma potência nesta modalidade a nível do continente e que o número de judocas nos Jogos Olímpicos pode, com vontade política, passar de um. Omar referiu ainda que esta é uma modalidade carente de tudo: investimento, infra-estruturas, massificação e formação.
@Verdade – Em que situação se encontra a Federação Moçambicana de Judo (FMJ)?
Omar Omar – Está com muita vontade e entrega ao trabalho. Estamos a desenvolver as nossas actividades dentro das nossas possibilidades porque no desporto trabalha- se com dinheiro e, infelizmente, em Moçambique, ainda estamos longe de constituir uma prioridade.
@V – E a nível de infra-estruturas?
OO – Neste aspecto estamos muito, mas muito mal. Não fugimos à regra das restantes federações desportivas. Em Moçambique não existem infra-estruturas, sobretudo para as modalidades de combate. Continuamos com as mesmas dificuldades de há 14 anos quando passámos a existir como federação. Mas não deixamos de trabalhar, tendo criado, nestas condições, muitos campeões.
@V – Quer dizer com isto que o judo não escolhe lugares para a sua prática?
OO – Claro que precisamos de espaço. Digo isto porque temos sérias dificuldades em expandir a modalidade para os restantes pontos do país, ou seja, só praticamos onde é possível, onde haja infra-estruturas.
@V – E a federação tem sede?
OO – Neste momento estamos sem sede. Há seis anos, nós tínhamos um espaço que era usado como sede mas que infelizmente foi-nos retirado para a construção dos Ministérios da Juventude e Desportos, do Turismo e o da Função Pública. Até hoje continuamos à espera do novo local que nos foi prometido pelo Ministério da Juventude e Desportos. Lembro-me, inclusive, de que naquela altura mantivemos um encontro com o vice-ministro, o senhor Carlos José, que prometeu a construção de uma sede de raiz dentro da cidade de Maputo.
@V – Onde é que funciona neste momento a federação?
OO – Neste momento a federação funciona nas instalações do Clube Naval da Cidade de Maputo onde funciona também o nosso centro de treinamento.
@V – A federação paga pela utilização deste espaço?
OO – Não. O que acontece é que o Clube Naval tem uma secção de judo e nós colocámos as nossas máquinas para que a nossa selecção nacional, bem como os restantes judocas, possam concentrar-se naquele espaço e, desta forma, desenvolver a modalidade.
@V – Quantos centros de judo temos no país?
OO – Neste momento estamos apenas concentrados na cidade de Maputo, local onde levamos a cabo as nossas actividades centrais. Só para se ter noção, neste ponto do país temos até ao momento entre 2800 e 3000 judocas, fruto de um projecto de formação iniciado há cerca de seis anos, com alguns dos quais vencemos o campeonato africano de judo de cadetes.
Queremos expandir o judo para as zonas periféricas da capital, porém, temos os dois problemas a que me referi acima: falta de infra-estruturas e incapacidade financeira. Posso citar um exemplo da prospecção que fizemos recentemente na província de Tete, onde encontrámos, por um lado, espaços degradados e, espaços em condições cujos valores de renda cobrados são altíssimos.
@V – E um atleta, por exemplo, que reside em Marracuene como poderá praticar o judo?
OO – De facto temos aqui atletas que vivem naquele ponto do país. Estamos cientes do sacrifício e do desgaste físico a que estão votados, pois são obrigados a sair de Marracuene para a cidade de Maputo. Neste momento não temos como inverter isso. Nós não temos recursos, pese embora tenhamos muitos tapetes para alocar às províncias. Instalar um centro de judo em qualquer ponto do país requer muito investimento.
@V – Quantas associações provinciais de judo existem no país?
OO – Neste momento estamos concentrados apenas na cidade de Maputo, embora exista uma associação em Inhambane. Como projecto queremos avançar para Sofala, Tete, Nampula e Zambézia, mas neste momento as nossas condições financeiras não permitem.
@V – E o facto de existir apenas uma associação, se pretendermos duas, incluindo a da cidade de Maputo, não viola a lei?
OO – A lei nunca é retroactiva, ou seja, quando foi aprovada a actual lei nós já existíamos como federação. Mas isso não nos acomoda e nem sequer nos faz parar de lutar pela expansão desta modalidade no país.
@V – Qual é o ponto de situação da Associação Provincial de Inhambane?
OO – Os trabalhos em Inhambane estão a cargo de um colega nosso, curiosamente funcionário do Estado. Ele tem-se deslocado com muita frequência ao estrangeiro para actividades de formação e busca de experiência. Contudo, temos de ser francos ao afirmarmos que o judo, naquele ponto do país, vai-se desenvolvendo com algumas interrupções, sobretudo por obrigações profissionais do responsável por aquela província. Temos também conhecimento de que tem organizado competições e que existe naquele ponto do país cerca de 35 atletas, o que é muito bom.
@V – E a nível das contas, como está a federação?
OO – O que nós temos feito é tentar, a todo custo, garantir a participação dos nossos judocas em competições internacionais, quer sejam continentais, quer sejam mundiais. Para nós, o que mais importa é mostrar ao mundo que em Moçambique se faz judo. Temos alcançado esse feito de forma regular nos últimos oito anos, contudo, tem-nos sobrado pouco dinheiro nos cofres uma vez que as viagens são muito caras, facto que nos impede de desenvolver outros tipos de actividade.
@V – Como é que é feita a planificação da federação olhando para a questão financeira?
OO – Nós elaboramos um plano e apuramos o valor global para a sua efectivação e vamos atrás desse dinheiro. É tradição haver sempre défice no valor que temos disponível nos cofres, o que nos obriga a rumar para o mercado e pedir apoio.
@V – E tem tido pronta resposta dos patrocinadores?
OO – Nem sempre conseguimos. Em Moçambique há, infelizmente, falta da cultura desportiva no seio de maior parte dos empresários. Aqui olha-se para o desporto como um custo e nunca como um investimento.
@V – Quanto recebe do Fundo de Promoção Desportiva?
OO – Cerca de 1 100 mil meticais. Infelizmente é um valor irrisório para as nossas necessidades. Este valor cobre simplesmente as necessidades de alguns atletas nossos da equipa sénior. Refiro-me aos da selecção nacional.
@V – Quantas competições nacionais têm organizado por ano?
OO – Vou falar do ano passado, 2012, em que organizámos sete competições. Mas a nossa média anual é de seis. São provas entre clubes, entre escolas e algumas competições de apuramento interno para provas internacionais.
@V – E quais são os planos para este ano?
OO – Neste ano estamos concentrados na organização do Campeonato Africano de Judo em seniores de ambos os sexos, prova que vai decorrer em Maputo de 18 a 21 de Abril próximo. Depois deste evento, ou seja, 15 dias depois, vamos reunir em assembleia-geral para a eleição de novos órgãos sociais. Temos mais planos mas é importante frisar que nós vamos às eleições e os nossos planos para este ano dependem muito desse pleito.
@V – Estamos preparados para acolher a prova africana?
OO – Algumas coisas já foram feitas. Os preparativos estão quase no fim e estamos neste momento atrás dos patrocinadores para suprir o défice que temos para organizar esta prova sem nenhum sobressalto.
@V – Mas já alguma vez reportou todos estes problemas a quem de direito?
OO – Quem é realmente de direito está ciente de todos os nossos problemas. Se continuamos onde estamos é porque neste país há sérios problemas de políticas, de mentalidade e de vontade de fazer as coisas acontecerem no terreno. Na minha opinião, quem de direito é quem lida diariamente com o desporto, é quem sente na pele os reais problemas do desporto no país. Quando um dia, porventura, esse elemento descobrir que possui uma grande capacidade de fazer as coisas acontecer, penso que a partir daí as coisas vão começar a mudar para o melhor.
@V – A que nível estamos no que diz respeito à formação?
OO – A formação é uma componente que nós destacamos. Há seis anos, iniciámos um projecto que englobava cerca de 1 300 alunos que hoje estão a despontar, ganhando até campeonatos africanos. Nós, como judocas, estamos muito felizes pois estamos a colher frutos da formação.
@V – Acha que o judo poderia estar melhor?
OO – Claramente. Nós podíamos estar num outro estágio e não estaríamos, por exemplo, hoje a falar de problemas como, por exemplo, a falta de massificação. O que mais nos aflige como federação é a falta de infra-estruturas. Somos, ainda, uma federação financeiramente incapaz de ter espaços próprios para a prática desta modalidade.
@V – Se em termos de infra-estruturas, o judo se assemelha ao boxe e ao taekwondo, por exemplo, porque não pensar numa parceria para a partilha de espaço, como sucede com o basquetebol, voleibol de sala e andebol?
OO – Temos de partir do princípio de que todas essas modalidades passam pelas mesmas dificuldades a nível de infra-estruturas. No entanto, devo confessar que falta unidade entre nós. Infelizmente estamos carentes de uma mão invisível que nos possa unir, para que juntos possamos crescer.
@V – Somos uma referência a nível de África. Porquê?
OO – As ideias que nós tínhamos há exactamente seis anos quando iniciámos o nosso projecto de formação passavam pela conquista da região e conseguimos; pela conquista do continente e estamos muito perto disso, visto que nas últimas competições continentais, a vários níveis, conseguimos posicionar-nos primeiros quatro lugares. Daqui a 10, 15 anos, depois de conquistarmos o pódio africano, vamos lutar para atacar os campeonatos mundiais. Tudo passa pela força de vontade, pela organização e pela crença que reside em nós. Mas, acima de tudo, pelo uso racional dos poucos recursos de que dispomos.
@V – E como é que foi possível a participação nos Jogos Olímpicos de Londres?
OO – Com os poucos recursos de que dispomos, tentámos a todo custo levar os nossos melhores atletas para lugares onde o judo está mais desenvolvido. Isto ajuda bastante não só para o profissionalismo como também para a experiência do próprio judoca, que passará a ter níveis de rendimento altíssimos. É um processo muito dispendioso, mas consideramos que é um sacrifício que vale a pena.
@V – Em judo qualificámos apenas um atleta. Não podiam ser mais?
OO – A Londres podíamos ter levado mais atletas. Para qualificar um atleta para os Jogos Olímpicos é preciso ter uma grande capacidade financeira. Um atleta, para se qualificar para as olimpíadas, precisa de participar em várias competições internacionais que decorrem em vários cantos do mundo, de forma a melhorar a sua pontuação no ranking. E sem dinheiro, como é possível levarmos todos os nossos atletas a viajar pelo mundo para competir?
@V – O Presidente da República reuniu-se com os desportistas nacionais e uma das coisas que esteve em debate foi o facto de o país qualificar poucos atletas aos Jogos Olímpicos. O que tem a dizer?
OO – Antes daquele encontro nós já havíamos falado com o Presidente da República na embaixada moçambicana em Londres, aquando dos Jogos Olímpicos. E como fazedor de desporto deixei bem claro que não basta querer ir aos Jogos Olímpicos. O judo, especialmente, tem timing para produzir resultados. Precisa no mínimo de quatro anos e muito investimento. Não é possível querermos levar um atleta que ainda se debate com problemas básicos como o da alimentação.
Em Moçambique não se inspecciona a componente da alimentação de um atleta; não temos, por exemplo, um centro de alto rendimento para a preparação dos atletas de todas as modalidades; não existe neste país um centro de testagem ou de medicina desportiva para conhecer o estado de saúde de um atleta olímpico; não se assiste a nenhum investimento estatal no desporto de alto rendimento, como é possível acordar e decidir ir aos jogos olímpicos?
@V – Mas acredita em mudanças?
OO – É complicado falar de mudanças do sistema desportivo moçambicano. Não é possível reverter o cenário actual do nosso desporto se as pessoas encarregues desse mesmo processo são as mesmas. A mudança do actual cenário desportivo pressupõe mudanças estruturais profundas.
@V – Em quatro anos de actividade, o que orgulha o actual elenco directivo?
OO – Organizámos com excelência os Jogos Africanos de 2011; participámos em quatro campeonatos africanos e do mundo; colocámos três atletas a competir para os Jogos Olímpicos; adquirimos equipamento completo para o judo; celebrámos várias parceiras e cooperações com vários países para que os nossos atletas possam treinar e competir com alguma frequência; aumentámos o número de atletas de 1800 para 3000 e, ainda neste ano, vamos acolher o campeonato africano.
Muito recentemente participámos nos Jogos do SCASA onde conseguimos, com os dois atletas que levámos, conquistar medalhas. Mas há também muita coisa que não conseguimos fazer, como, por exemplo, formar árbitros, treinadores e gestores de judo dentro dos padrões internacionais devido às nossas restrições financeiras.
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