A reabilitação da linha férrea entre Cuamba e Lichinga, na província do Niassa, assim como o regresso do comboio de passageiros à via, tem sido apresentada como o cumprimento de uma promessa eleitoral de Filipe Nyusi. Na verdade a estrada de ferro foi construída pelas empresas Vale e Mitsui – accionistas maioritários do Corredor de Desenvolvimento do Norte(CDN) em parceria com alguns influentes membros do partido Frelimo - como um ramal da sua linha que conecta as minas de carvão em Tete ao porto de Nacala. Aliás, pouco antes de terem concluído a reabilitação dos 262 quilómetros a multinacional brasileira comprou a um preço “camarada” o controlo total do Sistema Ferroviário do Norte de Moçambique.
“Aqui está operacional a muito esperada linha de Cuamba-Lichinga. Aqui está a infra-estrutura moderna e com potencial de levantar o desenvolvimento sócio-económico de Niassa e da região Norte de Moçambique. Aqui está a outra libertação. Aqui está menos uma razão de Niassa continuar desconhecida e esquecida”, afirmou o Presidente Nyusi no passado dia 3 Novembro depois de proceder a inauguração do empreendimento sem no entanto explicar ao povo que o seu partido concessionou há mais de uma década o Sistema Ferroviário do Norte a uma empresa privada.
Remonta a 2005 a entrega pelo Estado(representando pelos Caminhos de Ferro de Moçambique) de 51% do Sistema Ferroviário do Norte a privados, que se associaram na Sociedade para o Desenvolvimento do Corredor de Nacala(SDCN), S.A., criando a empresa privada Corredor de Desenvolvimento do Norte(CDN).
A SDCN tinha como accionistas, à data da concessão do Sistema Ferroviário do Norte, e nos anos subsequentes, de acordo com o Centro de Integridade Pública(CIP), duas empresas norte-americanas(a Edlows Resources e a Railroad Development Corporation); cinco empresas de moçambicanos membros influentes do partido Frelimo(a MG - Moçambique Gestores, a Gestra - Gestão e Transportes, a GEDENA - Gestão e Desenvolvimento de Nampula, a Niassa Desenvolvimento e o Consórcio Cabo Delgado); e duas outras ligadas ao empresário, também moçambicano, Fernando Amado Leite Couto(STP - Sociedade de Tecnologia Portuária (STP) e a NCI - Nacala Comércio e Investimentos).
Muitos fundadores do partido Frelimo beneficiaram da concessão do Sistema Ferroviário do Norte
Na empresa Moçambique Gestores são accionistas Armando Emílio Guebuza, Maria da Luz Dai Guebuza, Mário António Dimande, Nora Vicente Maculuve, Teodato Mondim da Silva Hunguana, António Américo Amaral Magaia, Argentina da Conceição Nhantumbo Magaia, Benjamim Alfredo, Isabel Luís Chaúque Alfredo, Manuel Alexandre Panguene, Mário da Graça Fernando Machungo, Augusto Joaquim Cândido, Raimundo Manuel Bila, Cadmiel Filiane Muthemba, Maria Helena Paulo, Gabriel Mabunda, Miguel José Matabel, Armando Francisco Cossa, Bartolomeu Augusto Guiliche, Moisés Rafael Massinga, Filor Nassone, Venâncio Jaime Matusse, Fernanda Carolina Betrufe Manave Matsinha, Mariano de Araújo Matsinhe, Rosário Mualeia, Eduardo Silva Nihia, Bonifácio Gruveta Massamba, Orlando Pedro Conde, Abel Ernesto Safrão, Eugénio Numaio, Arnaldo Tembe, Flora Manuel Arnaldo Tembe, Feliciano Salomão Gundana, Aires Bonifácio Baptista Ali, António Correia Fernando Sumbana, Pires Daniel Manuel Sengo, Alfredo Fontes Selemane Namitete .
Já na sociedade Gestra são accionistas Francisco Ilídio de Rocha Dinis, João de Passos Fonseca Vieira, Manuel Henriques Teixeira, Júlio Dias Lopes Hingá, Rui Cirne Plácido de Carvalho Fonseca, Gabriel Mabunda, Carlos Fernando Bambo Nhangou, Eunice Maria António, Carneiro Maria António Rothenberger e Rui Ferreira dos Santos.
Enquanto o Consórcio Cabo Delgado representa os interesses de chamados generais do Norte, com Alberto Chipande à cabeça, que era o presidente do conselho de administração do Corredor do Desenvolvimento do Norte à data da assinatura da concessão até à entrada do Grupo INSITEC no consórcio, altura em que foi substituído por Celso Correia nos destinos do Sistema Ferroviário do Norte.
Além de envolver membros de primeira linha do partido que governa Moçambique desde 1975 a empresa CDN incluiu altos quadros dos CFM, incluindo o próprio presidente do conselho de administração da altura, Rui Fonseca.
Accionistas moçambicanos pouco investiram mais exploraram o negócio de venda das participações
Até a entrada da multinacional brasileira Vale - que precisa da linha-férrea e do porto para transportar o carvão mineral que extrai das suas minas em Moatize e posteriormente exporta-lo-, a empresa CDN, de acordo com a investigação do CIP, acumulou prejuízos de dezenas de milhões de dólares norte-americanos enquanto utilizava financiamento (garantidos pelo Estado) sem planos nem orçamentos aprovados, sem respeito por vários aspectos da legislação cambial. As contas da sociedade CDN não foram públicas nem auditadas entre 2001 a 2009, não houveram investimentos e manutenção nas infra-estruturas e a mão-de-obra afecta à ferrovia foi reduzida, mesmo contra a vontade do ainda sócio CFM.
“Enquanto a concessão gerava prejuízos para o Estado, havia quem se beneficiava dela. São alguns accionistas da SDCN que exploraram o negócio de venda das participações”, refere a investigação do CIP que estamos a citar e que acrescenta que o Grupo INSITEC “foi uma das beneficiárias deste tipo de negócio”.
O Centro de Integridade Pública indica na sua investigação que o grupo INSITEC entrou na SDCN, comprando a participação das empresas norte-americanas Edlows Resources(EDR) e a Railroad Development Corporation(RDC), em 2008, todavia apurou que a empresa do actual ministro Celso Correia “não chegou a pagar pelas acções da RDC e EDR. Serviu apenas de intermediário entre a Vale e as duas empresas americanas. Ou seja, usou o dinheiro da Vale para pagar a RDC e EDR”.
CFM saiu do Corredor de Desenvolvimento do Norte e do Corredor Logístico de Nacala
Depois da Vale assumir o controle da Linha do Norte, e com a manifesta incapacidade da Linha de Sena suprir as necessidades de escoamento do carvão extraído em Moatize para exportação, as infra-estruturas para o transporte ferroviário foram reabilitadas, na realidade feitas de novo, para possibilitar a ligação entre o porto de Nacala, com capacidade de receber navios de maior calado, e as minas em Tete, através do Malawi.
Para viabilizar estes investimentos, e sem grande alarido, os Caminhos de Ferro de Moçambique venderam por apenas 106 milhões de dólares norte-americanos os seus 49 por cento no Corredor de Desenvolvimento do Norte (Ferrovia), mais 49% na Central East African Railway (CEAR - que opera os caminhos de ferro do Malawi) e ainda 20% no Corredor Logístico de Nacala (que compreende a linha .
“Havendo necessidade de injecção de mais capital nas concessões em concreto, nós propusemo-nos a abrir mais o mercado, cedendo as participações na totalidade ao sector privado, facto que pensamos que irá incrementar a capacidade do sistema e consequente desenvolvimento e crescimento económico no Corredor do Norte” explicou Adélio Dias, o director do Gabinete de Comunicação e Imagem dos CFM, ao @Verdade em Setembro na altura em que o negócio foi concretizado.
Questionado pelo @Verdade se tinha sido um bom negócio para os CFM, e para o nosso País, Adélio Dias disse que foi “um negócio possível de fazer em que as partes envolvidas entraram em consenso na perspectiva de, por um lado, o sector privado pudesse avançar com investimento que irá aumentar a capacidade da logística do carvão sem prejuízo da carga geral e transporte de passageiros e, por outro, servirá como um efeito multiplicador na medida em que vai prover mais postos de trabalho, empresas conexas de fornecimento de bens e serviços ao corredor, entre outras”.
Contudo nem o Governo, e nem os CFM, precisaram que os negócios foram realizados com uma empresa subsidiária da Vale nos Emirados Árabes Unidos, um paraíso fiscal.
À parte prepara-se outro grande negócio envolvendo a Linha do Norte, agora maioritariamente propriedade da Vale, e as concessões mineiras de carvão que empresa detém em Tete. A multinacional brasileira tornou público há alguns meses ter chegado a um princípio de acordo para vender algumas porções das suas participações à japonesa Mitsui numa negócio estimado em 768 milhões de dólares norte-americanos.
A ver vamos como efectivamente a província do Niassa irá tirar proveito da linha férrea ou se continuará a ser a mais pobre de Moçambique como indica o mais recente Inquérito aos Agregados Familiares sobre Orçamento Familiar. A incidência da Pobreza passou de 48,3% em 2002/2003 para 60,6% em 2014/2015, em números absolutos passou de 448.420 habitantes pobres para 995.620.
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