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domingo, 23 de abril de 2017

Inflação agravou-se novamente em Março, mas aumento dos preços não é a sua causa em ...

Gráfico do Instituto Nacional de EstatísticaA tendência galopante da inflação abrandou em Moçambique porém, durante o mês de Março, ainda esteve em alta, foi de 1,58% e relativamente a igual período do ano anterior aumentou 20,93%, influenciada particularmente pelo aumento dos preços do carvão vegetal, combustíveis, peixe fresco, detergente e amendoim. Ao @Verdade o professor António Francisco clarificou que “ o aumento dos preços é o efeito em vez da causa da inflação”, e explica que para evitar ficar com a culpa o Governo deixa que os cidadãos confundam a inflação com as suas consequências decorrente do aumento da quantidade de dinheiro, que deriva em parte do grande endividamento do Estado, deixando o ónus aos produtores e comerciantes, e apresentando-se como o grande defensor dos preços baixos.

“Analisando a evolução dos preços a nível de produto, verifica-se que o aumento dos preços do Carvão vegetal (51,9%), da Gasolina (3,9%), de Refeições completas em restaurantes (2,0%), do Peixe fresco (12,9%), da Cerveja fora de casa (2,4%), do Amendoim (2,5%) e do Detergente em pó (3,6%), foi responsável por cerca de 1,30pp positivos do total da inflação mensal”, indica o Índice de Preços no Consumidor(IPC), compilado pelo Instituto Nacional de Estatísticas(INE).

De acordo com a publicação mensal durante o primeiro trimestre de 2017 o nível de preços geral cresceu 4,99%, mais uma vez influenciados pelos custos da divisão de alimentação e bebidas não alcoólicas que “contribuiu para esta tendência com cerca de 1,46pp positivos”.

“Analisando a inflação acumulada por produto, merece destaque a subida dos preços do carvão vegetal, de veículos automóveis ligeiros novos, de refeições completas em restaurantes, do amendoim, da gasolina, da cerveja e do coco, que juntos tiveram um impacto no total da inflação acumulada de cerca de 2,58pp positivos”, refere o documento do INE.

Segundo a publicação que estamos a citar, “relativamente a igual período do ano anterior, os preços do mês em análise registaram um aumento na ordem dos 20,93%. As divisões de alimentação e bebidas não alcoólicas e de vestuário e calçado foram as que, em termos homólogos, maior agravamento registaram com aproximadamente 31,03% e 28,64% respectivamente”.

Aumento dos preços dos combustíveis não terá impacto na inflação

Foto de Adérito CaldeiraEntretanto, o Governador de Banco de Moçambique(BM), Rogério Zandamela, afirmou em conferência de imprensa após a recente reunião do Comité de Política Monetário, que “o aumento dos preços dos combustíveis não tem um impacto na inflação, ele aumenta o nível dos preços mas ele não terá impacto no próximo ano”.

“Os preços dos combustíveis não vinham sendo ajustados já por muito tempo, precisavam de ser ajustados, tomou-se essa medida para pô-los aos níveis que tem de estar. Vai haver um aumento dos preços mas nem todo aumento dos preços é inflação. Quando o aumento dos preços é para corrigir diferenças dos preços relativos ela não liga a inflação, no próximo ano ela não vai ter impacto. Ele vai ter um impacto inicial mas em termos da variação a partir desse nível não vamos observar. Vai haver um ajuste superior do nível dos preços mas em si não implica inflação em termos de ponto de vista futuro, é por isso que estamos mais preocupados com os efeitos secundários dos ajustes dos preços dos combustíveis”, explicou.

Zandamela acrescentou que “Se ajustarmos os preços dos combustíveis sem ajustarmos as medidas correctas do ponto de vista monetário é fácil transformar um aumento do nível dos preços que era desejável em inflação, mas em si não representa tal”.

Agravamento da inflação deriva da opção do Governo, por razões políticas e especulativas

Para tentar perceber melhor estas nuances económicas o @Verdade consultou o professor de Economia na Universidade Eduardo Mondlane, António Francisco, que começou por aclarar que, “no caso particular dos preços dos combustíveis, os aumentos que o Governo aceitou fazer agora representam ajustamentos necessário que deviam ter acontecido há muito tempo, mas o intervencionismo abusivo e deturpador no mercado nacional impediu-o”.

Contudo o académico considerou que “talvez, por uma questão de decoro político e para não embaraçar o Governo que o convidou a liderar o BM e que até aqui bloquearam os ajustes necessários dos preços, o Governador do BM preferiu não adiantar em detalhes sobre as razões porque a principal causa da inflação não é o aumento contínuo e súbito dos preços. Na verdade, o aumento dos preços é o efeito em vez da causa da inflação. Infelizmente, existe o senso comum popular confunde a inflação com o aumento dos preços”.

Foto de Adérito Caldeira“Contrariamente ao seu uso vulgar, se entendermos a inflação como a expansão do estoque de dinheiro sem lastro real na economia, então, percebemos que é o aumento da massa monetária que inevitavelmente provoca o aviltamento da moeda. Quando a oferta de moeda inflaciona, ou seja, quando temos um aumento do suprimento de dinheiro e expansão monetária, cada unidade de dinheiro tem menos poder de compra”, explicou em entrevista por correio electrónico Francisco, que é também investigador do Instituto de Estudos Sociais e Económicos(IESE).

“Se usarmos o significado de inflação nesta perspectiva evitamos uma série de falácias associadas ao uso de tal termo para designar um "aumento geral do nível de preços", ou mesmo a ideia de “estabilidade dos preços”. Em geral, numa economia de mercado funcional e dinâmica não existe uma estabilidade estática de preços, porque os preços estão em constante mudança. Na verdade, a alteração dos preços relativos, de acordo com as reais condições de oferta e procura dos agentes económicos, é instrumental para indicar as áreas onde existe escassez relativa, ou abundância relativa. E se os preços se alterarem em conformidade com as dinâmicas as alocações acontecem de forma muito mais eficiente do que acontece, por exemplo, quando o Estado contraria, bloqueia, manipula e intervém por motivos políticos ou especulativos nos preços dos bens e serviços”, acrescentou António Francisco.

Ademais, “a consequência inevitável da inflação é o surgimento de uma tendência geral de aumento em todos os preços, mas é bom que não confunda uma coisa com a outra. Se o governo obtivesse todo o dinheiro necessário para suas operações através dos impostos e taxas aos cidadãos, o aumento da sua demanda seria compensado por uma queda da demanda por parte dos contribuintes, quando tivesse menos dinheiro”. “Ao tentarem fixar os preços abaixo do nível real, como têm feito nos transportes, o negócio torna-se prejudicial para os operadores. Os que estão a operar com custos mais elevados são forçados a abandonar, principalmente se sofrem a concorrência por operadores com Myloves, muitos deles usando carrinhas das empresas” aclarou.

“Se não fosse o FMI a travar o governo de abusar da inflação, pode acreditar que a situação poderia estar muito pior, através tanto da inflação, recorrendo principalmente a empréstimos. Para evitar ficar com a culpa pelas consequências da inflação, os governos adoram que a gente confunda inflação com as suas consequências decorrente do aumento da quantidade de dinheiro: o aumento dos preços”.

O professor de Economia aponta exponencial financiamento interno do Estado, através da emissão de Bilhetes e Obrigações do Tesouro, como uma das causas da inflação, algo aliás confirmado pelo Governador do Banco de Moçambique. Para António Francisco “frequentemente, o Governo culpa as empresas e os produtores pelo aumento do custo de vida. Veja o que está a acontecer na Venezuela, em que Maduro manda fechar ou ataca os comerciantes, acusando-os de especulação. No tempo de Machel aconteceu o mesmo. É o clássico caso do ladrão que grita: “agarra ladrão!”. O Governo, ao gerar a inflação por via da multiplicação da oferta monetária, incrimina os produtores e comerciantes, e apresenta-se como o grande defensor dos preços baixos”.

“Ajustes dos preços de combustíveis acabarão por se repercutir de forma desigual nos diferentes mercados”

Analisando outra declaração do Governador do BM, “vai haver um aumento dos preços, mas nem todo aumento dos preços é inflação”, o professor de Economia disse que “só tenho pena não tenha completado e adiantado a parte mais importante associada a esta explicação. Ou seja, ele podia ter explicado que o agravamento da inflação, nos anos recentes, e potencialmente poderá continuar, deriva da opção do Governo, por razões políticas e especulativas, recorrer exageradamente ao crédito, pressionando o sistema bancário para embarcar num endividamento externo e interno que resulta num aumentem da massa monetária”.

“Ao longo da presente década o Governo interveio indevida e abusivamente nos preços dos combustíveis. Manteve os preços artificiais, em parte por motivos políticos, mas não menos importante por motivos especulativos, distorcendo gravemente os preços dos bens e serviços. Quando me refiro aos motivos especulativos é porque considero que as motivações políticas do controlo dos preços não visaram apenas, como frequentemente se afirma, evitar a turbulência política e social, do tipo que aconteceu em 2008 e 2010, em que a população reagiu violentamente aos aumentos preços do pão e dos combustíveis foram aumentados”, declarou o entrevistado do @Verdade.

Gráfico do Banco de MoçambiqueNo entanto o investigador do IESE chamou atenção para “àquilo que não vemos. Sobretudo aquele outro tipo de intervencionismo estatal que não vemos como prejudicial, mas que muito tem contribuído para o agravamento da inflação. E este intervencionismo que menos se vê, ou muitas vezes se ignora e desvaloriza como factor principal da pressão inflacionista, é o que resultada da expansão indevida da massa monetária e do crédito exagerado, ou seja, seja correspondência e lastro real na economia”.

“Nos anos passados, a acção governamental, devidamente articulada com o sistema monetário, foram os principais factores de injecção de Meticais sem lastro efectivo. A grave queda do poder de compra da unidade monetária e a correspondente elevação dos preços surge por causa da injecção exagerada, ou mesmo descontrolada, de crédito externo e interno” explicou.

“Esta é a forma pela qual o governo, e o sistema bancário que ele controla, respondem aos grupos de interesses que eles querem favorecer politicamente. Pelas medidas que o novo Governo tomou, desde que assumiu a liderança do Banco de Moçambique, percebe-se que ele conhece bem o que se passou. O facto de ele ter agido de forma assertiva no controlo da base monetária, procurando refrear a expansão monetária que o Governo do Presidente Nyusi, de forma consciente ou inconsciente, tem tentado aumentar, poderá dar mais razão ao argumento dele sobre o fraco efeito inflacionário que os ajustes dos preços dos combustíveis poderão ter”, aclarou ainda o académico.

António Francisco considerou ainda que além das medidas monetárias, consideradas importantes acontecer pelo homem forte do Banco Central, “o maior problema que o Governador do BM deve estar a enfrentar relaciona-se com medidas de correcção do ponto de vista fiscal e outras reformas do sector público que fogem ao seu controlo”.

“Os ajustes dos preços de combustíveis acabarão por se repercutir de forma desigual nos diferentes mercados. Diferentemente da tese neoclássica que defende a neutralidade da moeda, a moeda tem um efeito efectivo e inquestionável em termos de alteração dos preços. Os efeitos não são uniformes e simultâneos em toda a economia. Nuns casos surgirão aumentou significativos, noutros não, ou surgiram mais tarde; ou ainda poderão não mudar nada, se outros factores influenciarem. Os efeitos dependerão da escala de valores e das escolhas individuais, pois as pessoas diferenciam-se na ordenação características das suas preferências”, detalhou o professor da UEM.

O entrevistado do @Verdade concluiu afirmando que “este é um momento importante para se reforçar instituições ou regras de jogo adequadas às necessidades de recuperação económica. E a forma mais apropriada para o fazer é contrariar e impedir que a política monetária fique sujeita às pressões de natureza política. Ora, quanto mais independente for a política monetária das pressões políticas, e quanto mais se controlar os abusos da política fiscal, maiores serão as possibilidades de recuperaram da confiança dos agentes económicos nas oportunidades positivas da economia”.



via @Verdade - Últimas http://ift.tt/2pbEvRa

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