Em caso de arbitrariedade, violação dos direitos humanos ou desagrado em relação à prestação da administração pública e de seus dirigentes, é inútil queixar-se a quem quer que seja, sobretudo ao Provedor de Justiça, porque até as instituições às quais compete assegurar o acesso a diferentes serviços, o acesso à justiça e defender da legalidade ignoram e mandam passear o Provedor de Justiça. O desprezo com que é tratado esta figura, a nível das entidades, sobretudo públicas, pode ser descortinado quando as suas lamúrias sugerem que, um dia, alguém pode mandá-la calar sob pretexto de estar destituído de qualquer poder, limitando-se apenas a emitir recomendações que poucos acatam.
Na quarta-feira (25), o Provedor de Justiça, José Abudo, cujo mandato termina em este ano, apresentou o seu informe anual (de Abril de 2016 a Março de 2017) à Assembleia da República (AR), no qual a avaliar pelas reclamações que, mais uma vez, deixou expostas, em Moçambique, o Provedor de Justiça não passa de um órgão cosmético.
Com as goelas bem escancaradas, ele lamentou-se dos problemas de costume, tais como morosidade na tramitação de processo, cadeias abarrotadas de reclusos e já a rebentar pelas costuras, dos quais uma larga maioria continua trancafiada, pese embora os prazos de prisão preventiva largamente esgotados.
Perante os chamados representantes do povo e titulares de algumas instituições e funcionários do Estado, alguns dos quais o ignoram e não reagem às suas recomendações dentro do prazo definido com vista a dar seguimento às preocupações dos cidadãos, que chegam ao seu gabinete a partir de diferentes pontos do país, José Abudo transformou as queixas de costume num coro.
São problemas de que ele reclama já há muito tempo, mas, por imposição da Constituição da República não pode fazer mais do que emitir recomendações.
Indo por partes, o Provedor de Justiça começa o seu informe lamentando-se da falta de pessoal para trabalhar e até de exiguidade de fundos.
Segundo ele, neste preciso momento está a trabalhar com 21 funcionários, dos 101 necessários. Mas se o Governo criasse condições para ter pelo menos 61, as coisas mudariam, talvez, de feição.
Em alguns sectores da administração pública, determinados empregados fazem-se tardiamente aos seus postos de trabalho e outros nem comparecem mas não são punidos.
Adiante, José Abudo falta da “colaboração dos órgãos de poder e seus titulares”. Neste capítulo, ele diz que parte da autoridade pública faculta as informações solicitadas pelo Provedor de Justiça e até mostram-se disponíveis para eventuais esclarecimentos e explicações que se mostrem necessários.
Todavia, há, em grosso número, aqueles que optam pelo “silêncio absoluto”, fecham-se em copas e mostram-se indisponíveis para qualquer coisa ou assunto que tenha a ver com o Provedor de Justiça. Aliás, em caso de “mediação entre eles a os queixosos/peticionários” optam pela ausência.
Com um pouco de sorte, existe um pequeno grupo de gestores públicos que responde ao Provedor de Justiça, nas fora do prazo previamente indicado para o efeito.
Das instituições que se fecham em copas e mandam passear o Provedor de Justiça constam, por exemplo, os municípios, os tribunais e as procuradorias, o que é deveras gritante na medida em que estas duas entidades, asseguram o propalado acesso à justiça ao povo.
Até o Ministério Público faz-se de surdo e mudo
Aliás, o Ministério Público recebeu três queixas cujos desfecho é desconhecido por José Abudo. Ou seja, esta instituição não tugiu nem mugiu relativamente ao expediente do Provedor.
Perante esta situação, José Abudo considera que a relação entre os órgãos de “poder e seus titulares” registou um retrocesso (...), “desde que se entendeu que o Provedor de Justiça não devia” encaminhar directamente os processos aos tribunais ou procuradorias, mas sim, para os “Conselhos Superiores da Magistratura Judicial, da Magistratura Judicial Administrativa e da Magistratura do Ministério Público, órgãos de gestão e disciplina dos magistrados (...)”.
José Abudo afirma, no seu informe, que os dirigentes, incluindo seniores, que o mandam passear quando intercede em nome dos cidadãos deixam claro que se sentem “bem confortados com as arbitrariedades, abusos, ilegalidades e injustiças, posicionando-se, dessa forma, em confronto com o princípio de actuar em obediência à lei e ao direito”.
Nos estabelecimentos penitenciários, a situação prevalece deprimente como sempre. E recorde-se que as celas dos comandos da Polícia da República de Moçambique (PRM) continuam degradados e sem solução à vista.
Ao contrário do que o Governo tem vindo a fazer, a solução para a superlotação das cadeias não passa pela construção e mais cadeias. Impõe-se, por exemplo, que “a curo prazo se implemente, em larga escala, a aplicação de medidas alternativas à prisão”, na óptica de José Abudo.
Um defensor da legalidade e da justiça sem poder
À luz da Constituição da República, “o Provedor de Justiça é um órgão que tem como função a garantia dos direitos dos cidadãos, a defesa da legalidade e da justiça na actuação da Administração Pública”.
Todavia, pese embora as denúncias por ele feitas, nada pode fazer senão limitar-se a “choramingar”, pois depende sobremaneira de terceiros para salvaguarda de tais direitos, na medida em que as suas competência limitam-se à apreciação dos “casos que lhe são submetidos” e “sem poder decisório produz recomendações aos órgãos competentes para reparar ou prevenir ilegalidades ou injustiças”.
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