O Professor Catedrático em Economia da Universidade Eduardo Mondlane(UEM), António Francisco, disse em entrevista ao @Verdade que “Se entendermos recessão na economia, como uma fase de contração no ciclo económico, incluindo retração geral na actividade económica, queda no nível da produção, aumento do desemprego, queda da renda familiar, redução da taxa de lucro, aumento do número de falências e queda do investimento produtivo, parece haver poucas dúvidas que 2017 foi um ano recessão em Moçambique”.
Iniciamos a segunda parte da entrevista ao economista moçambicano António Francisco, que é professor da UEM desde 1981, questionando se tinha memória de um presidente moçambicano anunciar o 13º vencimento.
“Memórias de um presidente moçambicano anunciar o 13º vencimento, não tenho; mas tenho memórias de intervencionismos governativos muito piores do que este. É impossível esquecer aquela primeira década pós-independência em que Samora Machel ia para a praça pública anunciar as nacionalizações disto e daquilo, desde a terra as casas de rendimento, das clínicas privadas aos serviços de advocacia, agências funerárias, etc”.
Todavia o agora Professor Catedrático recorda que “aqueles anúncios da primeira década de independência faziam parte de uma engenharia de transformação radical para a chamada “sociedade nova”. Em contrapartida, este anúncio do 13º vencimento, surge no contexto de um grande embaraço político em que o Presente Nyusi se encontra. Após uma longa e enfadonha prelação cheia de detalhes, mas sem qualquer indicação do caminho que estamos a seguir, o Presidente Nyusi quis encerrar o discurso com um presente natalício para os funcionários públicos. O que é que ofereceu? Precisamente aquilo que eles já possuíam e acreditam ser um direito adquirido, que nos meses passados lançaram dúvidas quanto à sua retirada, em nome da contenção das despesas públicas”.
Discurso de Filipe Nyusi é “retórica política enganosa”
O @Verdade quis ouvir a opinião de António Francisco sobre o descongelamento das progressões na Função Pública e a sustentabilidade e o esforço que tem sido feito para minimizar o drama dos transportes públicos. “Tais esforços fazem parte de uma estratégia antiga do partido no poder e do seu Governo, de dispender energias e recursos visando controlar o que não deve e eventualmente não serão capazes de controlar, enquanto negligenciam aquilo que é diretamente da sua competência. Contudo, a margem de manobra do intervencionismo estatal está cada vez mais reduzida”, começou por declarar.
“Depois das revoltas de 2008 e 2010 em Maputo, o Governo optou pelo “deixa-andar”, contribuindo por exemplo para a emergência do MyLove nos transportes urbanos. A consequência disto é a degenerescência dos serviços de transporte e crescente dificuldade de viabilização de serviços urbanos, públicos e privados, de qualidade e eficiência satisfatórias. Lamentavelmente, este desgoverno é interpretado por certos analistas como exemplo de “liberalismo”, ou “capitalismo selvagem”. Ou seja, o regulador e zelador público tenta controlar administrativamente o funcionamento do mercado e quando se rende às evidências, leva os cidadãos e clientes dos produtores e prestadores dos serviços a pensar que são vítimas de malandros gananciados e obcecados pelo lucro”, explica o Professor Francico, que também coordena o Grupo de Investigação sobre a Pobreza e Protecção Social no Instituto de Estudos Sociais e Económicos(IESE).
Sobre as anunciadas reformas nas Empresas Públicas o economista moçambicano desconfia do que efetivamente está a ser feito pelo Governo. “Infelizmente ao longo de 2017 falou-se muito, mas pouco se adiantou e se concretizou, quanto à reforma das empresas públicas. O informe do PR sobre o Estado da Nação testemunha o pouco ou nada que foi feito, em termos de reforma das empresas públicas. Mais uma vez, o PR limitou-se a renovar a declaração que fez no ano anterior, sobre a necessidade da contenção de despesas públicas abarcar os institutos e empresas públicas”.
“Porém, na prática, tais declarações continuam mera retórica política enganosa, em vez de preocupação genuína com a racionalidade e eficiência económica. Os obstáculos à reforma das empresas públicas, derivam mais da preocupação em perpetuar despesas irracionais e insustentáveis, do que garantir maior racionalização das despesas e sustentabilidade económica e financeira destes organismos públicos”, analisa o nosso entrevistado por correio electrónico.
Nyusi “em vez de comentar com franqueza as dificuldades que enfrentou optou por buscar refúgio na declaração: “nós os moçambicanos, somos RESILIENTES”
Perguntamos ao Professor se 2017 foi um ano de recessão. “Se entendermos recessão na economia, como uma fase de contração no ciclo económico, incluindo retração geral na actividade económica, queda no nível da produção, aumento do desemprego, queda da renda familiar, redução da taxa de lucro, aumento do número de falências e queda do investimento produtivo, parece haver poucas dúvidas que 2017 foi um ano recessão em Moçambique”.
Francisco nota que “O FMI no seu comunicado de imprensa de Dezembro passado, estimou que o crescimento tenha reduzido para 3% em 2017, comparativamente a 3,8% em 2016. Por outro lado, o Banco Mundial numa análise no final de 2017, estimou um crescimento do produto interno bruto (PIB) em 2017 (3,1%), muito próximo da estimativa do FMI, mesmo sabendo que as exportações de carvão e alumínio aumentaram substancialmente, relativamente aos anos precedentes. O Banco Mundial adiantou ainda que a economia moçambicana, após vários anos de rápido crescimento, poderia estar a converter-se numa economia de crescimento modesto. Em contrapartida, no informe do Estado da Nação, o PR disse que ao iniciar o ano de 2017, tinha como uma das prioridades, a retomada da estabilidade macroeconómica; mas em vez de comentar com franqueza as dificuldades que enfrentou por não conseguir a retoma da estabilidade macroeconómica, optou por buscar refúgio na declaração que repetiu várias vezes no seu discurso: “nós os moçambicanos, somos RESILIENTES”.”
“Em vez do Estado depender da economia privada são os agentes económicos privados que dependem do Estado” “Costuma-se considerar que uma economia entra em recessão após dois trimestres consecutivos de queda no PIB. Porém, considerando a debilidade das estatísticas disponíveis, seria pouco sensato circunscrever a percepção de recessão os aspectos técnicos e macroeconómicos. Para além dos agregados nacionais, ao nível das actividades económicas das empresas, várias são as evidências de uma recessão. Por exemplo, recentemente a Presidente da Autoridade Tributária de Moçambique (ATM), Sra. Amélia Nakare, declarou que em 2016, cerca de 900 empresas entraram em falência, enquanto que em 2017 o número aumento para cerca de 2000 empresas falidas. Se isto não é indicativo de recessão, o que é”, questiona o Professor António Francisco.
Na óptica do economista a Presidente da Autoridade Tributária deu a entender, “que tais falências acontecem porque o Governo foi forçado a adoptar por uma política fiscal restritiva, reduzindo a despesa, pondo em causa a sustentabilidade de uma parte significativa das empresas privadas. Ora, se as empresas privadas surgem ou sobrevivem como “satélites do Estado”, significa que qualquer contenção de despesas públicas se converte num risco para a sua própria sobrevivência. Quer melhor keynesianismo míope do que este? Tal como aconteceu com o marxismo-leninismo, ainda surgirão académicos a declarar este tipo de keynesianismo como genuíno, fruto da nossa realidade, ou made in Mozambique”.
“A ideia que a queda do consumo ou das despesas publicas conduz à queda da produção e do investimento e consequentemente, a superação da recessão passa pelo aumento das despesas do Estado, apenas serve para encobrir umas das principais debilidades da economia (privada) moçambicana. Em vez do Estado depender da economia privada são os agentes económicos privados que dependem do Estado”, conclui o Professor da UEM.
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