As notícias que nos chegam de Chókwè, ainda que não possam ser generalizadas, devem deixar triste qualquer cidadão que se preze. O cenário das cheias de 2000, para desgraça dos que sofrem, repete-se. Ou seja, a desgraça virou a força motriz do enriquecimento de um punhado de pessoas. E nós, os tolos do dia, chegamos a pensar que poderia ser diferente. Mas não é e nem vai ser.
O cenário é aterrador e o roubo está institucionalizado. Há quem vai enriquecer desalmadamente desviando a ajuda que devia mitigar os efeitos de uma calamidade que de natural tem muito pouco. Como ninguém trabalhou para impedir que se dessem as condições daquele trágico episódio do passado, seria impossível reduzir o impacto das cheias.
No que toca ao roubo, acabamos por reafirmar que se repetiu a tristeza de há 13 anos, em que as cheias criaram novos ricos com o mesmo padrão de vergonha. Qualquer tentativa de explicar o fenómeno, reconduzir- -nos-ia aos mesmos pontos de partida. O que faltou fazer?
Gestão do curso das águas, políticas regionais, criação de sistemas de drenagem eficazes, eis o que vivemos dizendo, qualquer seja a conjuntura económica nacional. Como qualquer das soluções apontadas vai requer avultados investimentos, acomodamo-nos na justificação destes constrangimentos. "Construir o país leva tempo", dizem alguns do alta da sua sapiência.
Somos, portanto, um país que se preocupa com sintomas e nunca com as causas. A discussão gira, agora, em torno dos infelizes que desviam as ajudas que foram canalizadas para Chókwè e dos responsáveis que colocaram os seus familiares nas filas.
Esquecemos os outros, aqueles que desviam camiões inteiros antes sequer de pensarem em partir para o lugar onde estão as vítimas o que é, diga-se, também um sintoma. Esquecemo-nos daqueles que pedem comissões chorudas em qualquer obra pública. Esquecemo-nos dos atrasos na reabilitação de estradas e pontes. Esquecemo-nos da má qualidade das obras públicas. Esquecemo-nos que o norte do país é excedentário em cereais.
Andamos contentes com a doação do Japão e com a concessão de seis milhões hectares de terra aos agricultores brasileiros. Eles vão, já se sabe, produzir para o mercado externo. É óbvio que estatisticamente iremos produzir mais comida, mas também é inegável que tal criará mais bolsas de fome.
Afinal qual é o problema do país? Temos de nos abstrair dos sintomas para situar o conjunto de todos os elementos que concorrem para que sejamos impotentes diante de um evento deste género.
O problema, em Chókwè, nem é o roubo em si e o aproveitamento da desgraça alheia. Aquele ladrão de Chókwè foi arrastado pela onda do pensamento estático. Portanto, refugia-se no facto de não ser o maior culpado, de constituir, na verdade, o novo-rico de um sistema que cria pobres, o incompreendido que pode enriquecer na tragédia dos semelhantes.
E não é sem motivo que assim julga, pois alguns dirigentes até são capazes de festejar um aniversário com pompa e circunstância, com direito a transmissão televisiva, num momento de pranto e ranger de dentes. Esse é o problema de atacar os sintomas...
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