"Cada um sabe de si e Deus sabe de todos", este adágio popular é o retrato fiel do país que somos. Ou melhor: do país que nos tornámos. Um país engravidado pelo egoísmo colectivo dos seus filhos. Aqui, no ventre do egoísmo, ninguém escapa. É um mal que atinge todos nós, sem excepção. Esse egoísmo – não temos medo de afirmar, ainda que seja de uma única perspectiva da verdade – deriva de duas coisas que destruímos nos últimos 37 anos: saúde e educação. Só isso, aliás, justifica o facto de andarmos a gritar, aos quatro ventos, que somos um povo com auto-estima, maravilhoso e trabalhador. Não é verdade e nem pode, por mais que nos esforcemos, ser real.
Ninguém fala, com tanta convicção, de algo que possui. O Presidente da República, quando invoca a tal da auto-estima, fá-lo para convencer o moçambicano de que a possui, de que ela é intrínseca à natureza do cidadão nacional, de que ela é a condição necessária para nos reconhecermos dignos de ter Moçambique como a terra que nos pariu. Age desse modo, também, para convencer a si mesmo de que a temos e que acreditamos nele.
Contudo, Guebuza não sabe que só é possível falar de auto-estima num contexto onde todos partilham as mesmas possibilidades, num contexto onde o lambebotismo não é o diploma que confere cargos aos maiores incompetentes que a guerra de libertação pariu, um contexto onde as oportunidades conhecem cores políticas e romantizam com esquemas congeminados no esgoto da sacanice. Isso é tudo, menos auto-estima.
Quem ainda ousa falar de auto-estima desconhece profundamente o país que somos. As pessoas deixaram de viver para coisas comuns. Todos querem e procuram dinheiro. Isso começou quando começámos a vender as vagas para emprego. Quando começámos a pagar pela vaga na escola. Quando começámos a pagar para furar a fila no hospital. Quando o polícia descobriu que pode viver à grande e à francesa nas ruas de Maputo. Quando deixamos morrer a frota de transportes públicos. Quando falimos, propositadamente, empresas públicas para criar novos-ricos. Quando, como diz o músico, transformamos a lei de probidade pública em lei de promiscuidade pública.
Hoje, diga-se, é justo que cada um lute por ter um pouco mais. Num país onde os serviços básicos como educação e saúde não garantem nem educação e nem saúde é, no mínimo, lícito que as pessoas lutem para ter mais dinheiro. Até porque só o dinheiro pode permitir que sobrevivamos mais um dia nesta selva de pedra.
É justo, diga-se, que o ministro da saúde, por exemplo, coloque os filhos em escolas privadas e que os mesmos tenham assistência médica no exterior. É justo também que as pessoas que deviam zelar pela educação e pela saúde atravessem fronteiras para tratar de ambas. Num país assim, onde essas coisas que deviam insuflar os cidadãos de orgulho, não servem a quem deve servir o povo ter auto-estima é pecado. Não somos malucos nós para ter auto-estima no reino dos abutres.
0 comments:
Enviar um comentário