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domingo, 26 de novembro de 2017

Mudanças Climáticas também causam casamentos prematuros em Moçambique

Casar antes dos 16 anos é crime no nosso país mas apesar da lei e de todas as campanhas em torno do drama os números de meninas que casam cedo não parecem estar a reduzir. Uma investigação do @Verdade, e jornalistas estrangeiros, revela um outra causa para o destino que Fátima, Carlina, Teresa, Filomena e Majuma não conseguiram evitar, as Mudanças Climáticas.

Cheias, seca, dias cada vez mais quentes são algumas das imagens que os moçambicanos têm quando pensam no impacto que as mudanças do clima no nosso país. Mas o que não temos visto é como a mudança na época das chuvas ou a as águas mais quentes estão a aumentar a Pobreza de muitos moçambicanos, chefes de família que incapazes de prover o sustento encontram nos genros um apoio para o sustento das suas meninas.

António Momade Jamal, de 50 anos de idade, é pescador na vila de Moma, na província de Nampula, desde 1985 altura em que se recorda que “num dia normal conseguia encher dez cestos com a faina”.

“Lembro-me que desde os anos 90 as pescarias começaram a diminuir, a água onde pescamos ficou mais quente e temos de ir mais para dentro do mar para pescar. O clima mudou, hoje em dia as águas estão mais quentes e os peixes fogem para longe onde é mais fresco” explica-nos acrescentando que noutros tempos era preciso ir a cidade de Nampula para vender tanto era o peixe que conseguia.

Antonio Jamal reconhece que o número de pescadores na região aumentou, há também estrangeiros também, mas não acredita que a falta de peixe seja devido a pesca desmesurada.

“Tentei ir pescar noutras zonas, um pouco mais longe da costa mas as pescarias continuam fracas. Vejo ainda que noutras zonas o mar está a subir e as ondas são cada vez mais fortes”, declarou este chefe de família que com a queda das suas pescarias viu os seus rendimentos reduzirem e ficar mais dificil sustentar a família.

“Fui vendo vários vizinhos e colegas da pesca que por causa das dificuldades foram casando as suas filhas embora elas ainda fossem crianças” desabafa o pescador que conseguiu manter até hoje os seus oito filhos na escola.

Mesmo com as pescarias cada vez mais fraca, foi com muita relutância que recebeu o pedido de casamento feito pelo jovem Momade Churute à sua filha Filomena, na altura com 14 anos de idade. “Aceitei o pedido de casamento com a condição de ele garantir também a continuação dos estudos dela. Senti que era uma oportunidade e com o compromisso dele aceitei”.

“Tenho outros sete filhos, cinco rapazes que estão na escola secundária e mais duas meninas que também estudam, uma com 13 e outra de 11 anos de idade. Se aparecer algum homem a querer casar com elas e prometer o futuro delas assim como mantê-las na escola, vou pensar na proposta”, afirmou Jamal.

Filomena, que acompanhou a entrevista sentada perto do pai e do marido, revelou-nos que aceitou a situação porque tinha a expectativa de concluir o ensino secundário em Moma e continuar a estudar para tornar-se enfermeira em Nampula.

“Conheci o meu marido aqui na vizinhança, ele aproximou-se e pediu-me para ficarmos” contou-nos apontando para Momade, “gostei dele, é um homem bonito, mas disse-lhe que devia falar com o meu pai”.

“O meu pai aceitou o pedido por causa das condições difíceis que tinha para sustentar-nos, ele acreditou que o meu marido iria também garantir os meus estudos”, acrescenta a jovem que casou com 15 anos e hoje, com 19 anos de idade é mãe de dois lindos rapazes.

Filomena recorda-se de quando o pai obtinha bons rendimentos da pesca, “mas depois comecei a ver que os peixes que trazia estavam a diminuir, o dinheiro que davam era cada vez menos, já nem chegava para comprar um saco de farinha que precisávamos e nossaa vida ficou pior. Acredito que se o meu pai continuasse a ter boa pesca não teria aceite a proposta de casamento e iria manter-me na escola até hoje”.

O casamento aconteceu em 2013, não houve festa. O seu marido, que também é pescador pagou 2 mil meticais, que os pais usaram para compra-lhes uma cama e alguma comida. Depois de casada estudou durante 2 anos, no curso nocturno, durante o dia ajuda o marido na venda da pescaria.

Mas a pesca está também difícil para Momade Churute. “Tem de ir cada vez mais longe para conseguir pescar e ainda assim não sai muito”.

“Tenho ouvido as pessoas falarem que a nossa pobreza está a aumentar porque o tempo mudou e o peixe aparece menos. Tenho notado que a época das chuvas mudou e o tempo está cada vez mais quente” contou-nos a jovem que dona de casa, hoje com 19 anos de idade, que embora tenha iniciado o ensino secundário não aprendeu o que são as Mudanças Climáticas.

“Não vou deixar a minha filha casar com 15 anos de idade como eu”

Ainda na vila costeira de Moma encontramos Majuma Julio a preparar o almoço para o seu marido Juma Momade, cozinha farinha e uma parca matapa, sem nenhuns condimentos.

A jovem foi enviada pelos pais para a vila, tinha 10 anos, para continuar a estudar, vivendo em casa de um tio, um camponês que na altura conseguia tirar da terra mandioca, milho, amendoim e hortícolas suficientes alimentar os seus filhos e a sobrinha e ainda sobrava alguma produção para ser vendida.

“Mas por causa do sol e a chuva que não caia bem a produção do meu tio começou a diminuiu. Costumava chover durante dois meses mas depois foi diminuindo. Não culpo ninguém por isso, apenas o clima mudou”, relatou-nos a jovem que com 15 anos de idade fez os ritos de iniciação.

“Um dia o meu tio chamou-me e informou-me que um homem apareceu e disse que queria casar comigo. Não gostei da ideia. Mas como o meu tio já não conseguia alimentar-me nem pagar escola pensei que seria uma boa solução”, disse-nos Majuma.

O enlace foi realizado por uma imane que deslocou-se à casa do tio na companhia do futuro esposo e procedeu a cerimónia dentro dos preceitos islâmicos. Não houve festa.

Majuma disse-nos ainda que “sonhava que iria mudar-me para a minha casa e poderia continuar a estudar, queria concluir a escola secundária para ser professora”.

O casal está junto há 2 anos, ela tinha 15 anos de idade quando se casou com Juma de 19 anos, e continua a batalhar para prosseguir com os estudos mas recentemente o contrato de trabalho do seu marido terminou e não sabe como fará para renovar a matrícula, comprar o material escolar e o fardamento que precisa para o próximo ano lectivo.

Sem hesitar Majuma diz-nos o que quer para o futuro da sua filha Fátima, de ano e meio de idade. “Não vou deixar a minha filha casar com 15 anos de idade como eu, ela tem de estudar”.

A vulnerabilidade de Moçambique às Mudanças Climáticas, para além da sua localização geográfica, é agravada pela “pobreza, os limitados investimentos em tecnologia avançada, e a fragilidade das infra-estruturas e serviços sociais com destaque para a saúde e saneamento”, pode-se ler na Estratégia Nacional 2013 - 2025.

O documento refere ainda que no nosso país “as Mudanças Climáticas manifestam-se através de mudanças nos padrões de temperatura e precipitação, aumento do nível da àguas do mar e no aumento tanto em termos de frequencia e intensidade de eventos climáticos extremos tais como secas, cheias e ciclones tropicais que afectam diferentes regiões do país todos os anos. As consequências incluem perda de vidas humanas, de culturas agrícolas, animais domésticos e fauna bravia, destruição de infra-estruturas sociais e económicas, aumento da dependência da ajuda internacional, aumento dos preços dos produtos agrícolas e deterioração da saúde humana, degradação ambiental e perda de ecossistemas”.

“Não era minha vontade casar tão cedo, queria continuar a estudar”

Noutra região costeira de Nampula, em Larde, falamos com Carlina Nortino, 15 anos de idade, e o seu marido Horacio, de 16 anos de idade, sentandos na areia seca do outrora curso de água que ali existiu e que além de fonte do precioso líquido era um rico lugar para a pesca.

“Eu costumava vir aqui comprar dos pescadores para revender na vila, isto tudo estava cheio de água. Conheci aqui o Horário, que também pescava aqui, mas sem chuva a rio secou e os peixes morreram” recordou-se a rapariga que está casada desde os 13 anos de idade.

Mas o casal conheceu-se na escola, onde ambos estudavam. Horácio aproximou-se do pai e pediu-a em casamento. Nessa ocasião o pai de Carlina, um camponês, enfrentava a falta de chuva que reduziu a produção de mandioca, milho e hortículas na machamba familiar.

“A chuva já não vinha como estávamos habituados. A água que havia na terra também já não está lá, ficou impossível produzir comida”, afirmou a jovem esposa.

Horácio, varrendo com o olhar a região agora seca, lamentou que “agora já não posso pescar porque não há água aqui. A água desapareceu”.

“Há alguns anos comecei a fazer machamba, sou camponês. Mas também desde há alguns anos a produção tem diminuído porque não temos chuvas. Antigamente começava a chover em Setembro e caia regularmente até Março. Hoje em dia a chuva só começa em Janeiro e acaba em Fevereiro”.

“Não era minha vontade casar tão cedo, queria continuar a estudar e tornar-me parteira” declarou-nos Carlina que ainda chora o filho que perdeu há alguns meses. “Mas fui obrigada pelo meu pai que já não conseguia sustentar-me, não estou feliz”.

“A minha primeira gravidez foi um problema desde o início, estive doente todos os meses. Quando chegou altura do parto levaram-me para o hospital mas houve problemas e os médicos disseram que não podiam fazer nada, disseram que o deveria ir para um hospital maior. Mas os meus familiares não tinham como levar-me dali e fiquei, nasceu um bebé muito fraco. Não sobreviveu porque não havia incubadora no hospital onde estava” desabafou a jovem.

Carlitos Camilo, pescador e camponês de 49 anos de idade, disse-nos que não era sua vontade casar a filha tão cedo. “O problema foi a falta de chuva, diminuiu muito e quase desapareceu. Em termos de pesca eu costumava ter muitos peixes mas agora aqui perto seco e noutras zonas é preciso ir cada vez mais longe para conseguir apanhar peixe”.

“No passado aqui perto existia um estuário onde o curso de água e o mar se encontravam e era onde os peixes se reproduziam, havia muito peixe. Mas hoje esse sítio já não existe porque a área ficou seca” acrescentou o chefe de família que tem 11 filhos.

Camilo garantiu-nos que “não era sua vontade casar a filha tão pequena, se eu ainda conseguisse sustentar a todos não lhe teria empurrado para casar-se. Agora estou a tentar manter os meus outros filhos na escola, as cinco meninas que ainda tenho vão só casar na idade normal”.

“Não pude fugir porque não tinha para onde ir”

Fátima Mussa estava no nono mês de gravidez quando a encontramos em Nataka, no distrito de Larde, na província de Nampula. A jovem de 16 anos é casada há pouco mais de um ano com Priorino Antonio de 16 anos de idade. Tal como outras jovens o casamento foi formalizado dentro dos costume islâmicos e sem festa.

Fátima começou por contar-nos que alguns meses depois de realizar os ritos de iniciação, fez primeiros os ritos antes da primeira menstruação e depois de a ter pela primeira vez, em 2015, “Priorino encontrou-me e disse que tinha gostado de mim e queria casar comigo. Disse-lhe que se me queria tinha de pedir autorização aos meus pais. Quando ele aproximou-se dos meus pais, o meu pai disse-lhe que nunca iria considerar a proposta porque a filha era muito nova, mas como não tinha dinheiro para que ela pudesse ir poder fazer ensino secundário aceitou”.

A jovem revelou-nos que “não estava nada feliz por ir casar e pensei em fugir, abandonar os pais que a queriam entregar e procurar recomeçar a vida na cidade, mas não tenho parentes que conheça noutro sítio. Não pude fugir porque não tinha para onde ir”.

Nataka dista mais de 300 quilómetros da cidade de Nampula, não existem transportes públicos ou privados de passageiros para a localidade cuja parte final de acesso, cerca de 50 quilómetros só é acessível por uma viatura todo o terreno.

“Desde 2013 que o meu pai começou a ver a produção e os rendimentos a reduzir, primeiro as chuvas vieram muito forte e depois houve seca. A pior altura foi em 2015”, contou-nos a jovem que não sabe porque motivo o clima mudou tanto.

O pai de Fátima, João Mussá o camponês de 47 anos de idade, esclareceu-nos que aceitou a proposta de casamento “porque a sua produção caiu muito. Houve alturas em que não consegui produzir mesmo nada. Abandonei a agricultura e tentei a pesca, não dava muito aqui por iss fui para Beira a ver se conseguia ganhar mais. Não correu bem”.

“Quando regressei encontrei a minha filha mais velha que tinha acabado a escola primária e eu não tinha maneira de lhe mandar estudar na secundária que ainda por cima fica muito longe daqui. Por isso aceitei o casament como forma de o marido ajudar-me”.

Segundo Mussá o seu futuro genro pagou 2 mil meticais, “tenho sete filhos e ela já estava numa idade que ia começar a andar com os rapazes, mesmo que lhe dissesse que não. Portanto o casamento foi uma solução”.

“Penso que foi o meu destino, Deus pôs-me a ideia de casar cedo na cabeça”

Desde há alguns anos o professor Rui Brito, da Universidade Eduardo Mondlane, alerta que “com as Mudanças Climáticas a intensidade dos ciclones está aumentar e eles estão também a emigrar mais para Sul. De 1980 a 1993, são 14 anos, em Moçambique houve quatro ciclones com ventos de cerca de 100 quilómetros por hora. No mesmo período de 14 anos, já entre 1994 e 2007, registaram-se onze ciclones. Portanto a frequência aumentou e a maior parte tiveram intensidades maiores (com ventos superiores a 120 quilómetros por hora)”.

Embora o pescador de 49 anos de idade, Januário Antonio, não tenha lido nenhum estudo ele foi peremptório “o ciclone de 2008 foi quando as coisas começaram a ficar difíceis”, em alusão ao ciclone Jokwe que nesse ano fustigou as costas de Nampula, Zambézia e Sofala.

“Até essa altura eu conseguia pescar vários cescos de peixe e ainda tirava 15 a 20 sacos de mandioca da machamba. Hoje já não pesco aqui perto e com dificuldade tiro dois ou três sacos de mandioca”, disse-nos o pai de Teresa uma jovem que teve de casar-se com 15 anos de idade.

António confidenciou-nos que “não queria que a filha casasse, queria que ela acabasse os estudos e conseguisse um diploma com o meu apoio. Mas ficou impossível, o que aconteceu não é o que tinha no meu coração”.

“Aqui em Moma muitos pais deixam as filhas casarem cedo porque estão a sofrer. Eu tenho de sustentar nove pessoas, não consigo por causa da queda da produção, preciso de alguém que me ajude. Há muitos na mesma situação. Você acorda de manhã sem um metical para comprar comida, não consegue pescar para acompanhar com mandioca. Isso empurra a pessoas a tomarem decisões que não querem”, clarificou Januário António.

O experiente pescador e camponês não tem dúvidas que “há ligação, estes eventos extremos não afectam apenas Moma. Eu tenho visto o clima a mudar. Mesmo quendo se é uma pessoa responsável, você faz o que deve fazer mas ainda assim continua em dificuldades”.

O genro, Amiro Age, prometeu que Teresa iria continuar a estudar mas depois deixou a vila para procurar a vida noutras regiões, mas hoje a rapariga com 22 anos de idade voltou para a casa dos pais onde cria os dois filhos, na companhia dos restantes três irmãos. “Há nove meses o marido veio visitar, não trouxe quase nada e deixou um filho”.

“Eu via as minhas amigas que casaram a comerem bem e com boas rupas, enquanto eu sofria. Comíamos dia sim, dia não. Por isso preferi aceitar um marido para ter uma vida normal” explicou-nos Teresa Januário que recordou-se de ter conhecido o marido na vila, depois de conversarem, de o ter dito para falar com o seu pai.

De acordo com a jovem “o meu pai não reclamou muito, afinal ele já não conseguia sustentar-me e nem mesmo manter-me na escola. Mas depois do casamento o meu marido também passou a ter dificuldades de me sustentar e pagar as despesas escolares”.

“Eu pensava em casa aos 35 anos, não estou nada feliz, não queria casar com 15 anos. É minha culpa ter-me casado tão cedo. Penso que foi o meu destino, Deus pôs-me a ideia de casar cedo na cabeça”, lamentou-se Teresa.

Sem poder estudar e de volta a casa dos pais Teresa não quer o mesmo destino para a filha Atija, de 3 anos de idade. “Vou dizer-lhe para não casar cedo, mesmo que não tenha possibilidade de continuar a estudar. Porque vai ter filhos, poderá ser abandonada e a sua situação poderá ficar ainda pior”.

“Direi a minha filha que arrependo-me da minha decisão, pensei que o casamento fosse uma solução mas acabei ainda”, concluiu a jovem que se pudesse voltaria aos bancos da escola para se tornar numa profissional de Saúde.

Um relatório do Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) constatou que “O casamento prematuro é um dos problemas mais graves de desenvolvimento humano em Moçambique mas que ainda é largamente ignorado no âmbito dos desafios de desenvolvimento que o país persegue”.

Esta reportagem foi realizada pela The Brides Of The Sun e pelo jornal @Verdade com o financiamento do European Journalism Centre.


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