O articulista Marcelo Mosse parece ter regressado aos bons e velhos tempos do Metical. Textos assertivos. Actuais. E porque não dizer, Anti-Dühring.
E desta vez, apontou suas baterias para os que se insurgem contra os chorudos ordenados dos administradores do Banco de Moçambique, defendendo que a qualidade justifica o preço, se disso resultar produtividade. Ora aqui está o busílis da questão, Marcelo, é que o Banco de Moçambique não produz. Acumula e gasta o que é nosso. E por esse privilegiado papel, nos deve todas as justificações sempre que as pedirmos. Inclusive sobre os ordenados e as inúmeras regalias e fundo social Deluxe que dispõem para fazerem tranquilamente o seu trabalho. E sobretudo, devem-nos justificação de como o dinheiro que lhe confiamos como receitas do país, é gasto com a razoabilidade e contenção que o momento actual impõe. Mas é o exactamente o contrário o que temos testemunhado, pois os gastos com ordenados, subsídios e benfeitorias se avolumam, espelhados no esbanjamento em obras e iniciativas de cariz e impacto social duvidoso. Senão vejamos.
Desde 2007, que o Governo tenta implementar uma infra-estrutura de chave pública em Moçambique, como espinha dorsal para a modernização da função pública. O que fez o Banco de Moçambique logo de início? Retirou-se da discussão, ainda numa fase precoce, e optou por negociar uma solução paralela com a insuspeitíssima multinacional VISA. Recentemente, veio a terreiro anunciar uma espécie de joint-venture com uma certa Financial Sector Deepening Moçambique (FSD Moç), para o lançamento da incubadora Sandbox, uma plataforma que se pretende vá ajudar no desenvolvimento de tecnologias financeiras no país, uma iniciativa que abarca, numa primeira fase, cinco startups vão beneficiar de apoio do programa de inclusão financeira do banco central, beneficiando-se inclusivamente das facilidades oferecidas por suas instalações.
Traduzido em miúdos, trata-se de uma tentativa do Banco de Moçambique para arrepiar o caminho que em Fevereiro, contra corrente publicamente rejeitou. Trata-se da tecnologia blockchain aplicada ao sistema financeiro internacional, cujo expoente mais conhecido do momento é o bitcoin, que vindo dos economicamente instáveis vizinhos da Commonwealth, rapidamente se instalou em Moçambique. Com efeito, o parceiro local do nosso banco central na Sandbox, tem conexões evidentes com o Clube Financeiro de Londres que tem na UKAid, o seu porta-estandarte em África.
Que o Banco de Moçambique tenha jogo de cintura suficiente para envergar tantas vestimentas, quanto as necessárias, para camuflar o seu desmedido interesse por um assunto que lhe assusta, pois a Sandbox passou agora ser também regulada, sem surpresas, pelo supervisor financeiro da Grã-Bretanha; o que já não me parece razoável é ignorar que toda infra-estrutura tecnológica do governo carece de modernização ou até de uma banal informatização dos serviços para pode se integrar com essa panóplia toda de serviços que o Banco de Moçambique deseja que a banca passe a oferecer aos clientes. Porque afinal, não se pense que aterrando o blockchain no WhatsApp das tertúlias bancárias, a extensão dos mecanismos de colecta, contabilização e redistribuição de receitas do Estado para a Sociedade de Informação, também se materialize instantaneamente. Sobretudo quando a dificuldade do nosso sector de finanças públicas em honrar pagamentos de serviços de assistência técnica aos sistemas instalados ou mesmo até o pagamento de serviços de telecomunicações é gritante. Basta se aproximar do muro de lamentações da CTA para se perceber a dimensão da tragédia.
Mas é desta mesma CUT que o Banco de Moçambique sempre se arrojou no direito de usar o dinheiro público sem restrições, agora para apartar uma consultoria internacional para promoção do blockchain. Objectivo que, sem uma infra-estrutura de chave pública nacional confiável, será mais uma oportunidade para a VISA reaparecer em cena para aprofundar ainda mais o fosso tecnológico que nos impede de ter uma rés-publica consentânea com a realidade socioeconómica nacional e internacional. O Doing Business, senhoras e senhores, não é um mero chavão. É o nosso cartão de visitas para atrair investidores sérios a este país.
Mas parece que o banco central vive numa outra realidade. Ainda mal refeito deste fôlego investidor, eis que agora o Banco de Moçambique se dispõe a financiar a construção - de raiz - da loja do Município de Maputo (pois claro, pois claro...), que vai fazer exactamente o mesmo que os Balcões de Atendimento Único, vulgo BAU, fazem, mas se calhar numa vertente bem mais tribalista só para irritar a oposição nas autárquicas, quando nem passam três semanas desde que havíamos lido aqui que não havia fundos para expandir BAU a todos pontos do país. E quem o disse, foi um quadro ministerial. Por isso, já nem me vou dar ao trabalho em saber as quantas andam os nossos postos de cobrança fiscal, notários e conservatórias que também fazem a mesma coisa. E nem sequer de quanto se gastou para construir um heliporto e um mastodôntico silo de estacionamento no centro da Baixa de Maputo, sem nenhum proveito, como está bem de ver. Pode-se dizer, com evidente propriedade, que por alguma razão se estimam tanto no banco central, as parcerias municipais…
Numa frase, enquanto o Estado se pena - clamando bancarrota e certificados do Tesouro - para saldar dívidas de lustros aos fornecedores de serviços públicos e privados, o Banco de Moçambique usa o nosso cartão de crédito à la carte. Este mesmo Banco de Moçambique que dispõe de um fundo social opulento que lhe permite até comprar bancos no vermelho e retirar o sistema financeiro de Moçambique do default que já se avizinhava por causa das famosas dívidas ocultas! Mas que não lhe sobejam nem centavos para dar expressão à governação sustentável em tempos de crise. Pois, não teria sido melhor reabilitar a rede de cobrança municipal da cidade de Maputo, totalmente disfuncional, apinhada de arquivos em papel e sem infra-estrutura adequada em muito casos para o funcionamento pleno dos serviços, do que apostar num novo elefante branco que vai enriquecer um lobby do betão, o qual, para nosso infortúnio, também comanda a CTA?
Em suma, com uma lista enorme de gastos públicos inopinados, o Banco de Moçambique, na sua profissão de Fé no mercado, transformou-se no Vaticano de Moçambique, tais são os meios e a soberba para fazer e desfazer com o dinheiro que desagua nas suas caixas-fortes, o que me leva mesmo a comungar da simpatia de Marcelo em relação à abertura do actual governador Zandamela para com a mass-media. Apenas com uma grande ressalva. A de a mesma ter permitido, finalmente, que se começasse a destapar a maçónica realidade ambrosiana que sempre nos foi ocultada desde sua criação. Mas se calhar, foi por sua distracção.
Por Ricardo Santos
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