Perto de 100 pessoas, entre elas magistrados, activistas e advogados, sentaram à mesma mesa, na quarta-feira (03), em Maputo, para discutir, mais uma vez, como o país pode proibir, definitivamente e sem excepções, as uniões prematuras e forçadas envolvendo crianças e raparigas. A “cultura e a tradição” que permitem transformar as meninas em esposas devem acabar e várias vozes levantaram-se pelo fim do problema mas até aqui não se sabe como solucioná-lo, efectivamente.
E todos reconheceram que a Lei de Prevenção e Combate às Uniões Prematuras, em forja, jamais será suficiente para eliminar um problema enraizado nas comunidades.
Segundo Benilde Nhalivilo, presidente do Fórum da Sociedade Civil para os Direitos da Criança (ROSC), as uniões prematuras e forçadas constituem um assunto delicado e sensível, visto que é falar (indiretamente) dos protagonistas, que são pessoas próximas das vítimas e de todos nós.
Ela acrescentou que, desde o começo da elaboração do Anteprojecto de Lei de Prevenção e Combate às Uniões Prematuras, foram auscultadas pelo menos 1.500 pessoas, entre crianças de ambos os sexos, líderes comunitários e religiosos e matronas dos ritos de iniciação.
O trabalho deverá prosseguir para que se encontre uma maneira adequada e eficaz de fazer face ao que Carlos Mondlane, presidente da Associação Moçambicana dos Juízes, classificou como uma “catástrofe social que estamos a viver”.
Uma lei não basta para resolver o problema. “É preciso um amplo trabalho de sensibilização e consciencialização” das comunidades, argumentou Benilde, secundada por Cardo Morresse, da Ordem dos Advogado de Moçambique (OAM).
Para Cardo Morresse, é necessário chamar à atenção as famílias, porque as uniões forçadas ocorrem, em grande medida, nas comunidades.
Ele também concorda que a criança é um “assunto sensível”. Quando se tem relatos de que meninas foram ou são coagidas a serem-se mulheres de homens mais velhos ou a casarem com outras crianças, não é possível não ranger os dentes de tantos nervos à flor da pele.
São milhares as ocasiões em que, “em nome da cultura e da tradição, são postos em causa os direitos humanos, em particular da criança” devido às uniões forçadas.
O orador disse, num outro desenvolvimento, que o país precisa harmonizar toda a legislação sobre a criança, para melhor protegê-la, em particular quando se debate o combate às uniões forçadas.
Aliás, Carlos Mondlane considerou – em alusão aos pais e encarregados de educação e àqueles que consentem ter meninas como suas esposas – que uma pessoa de boa índole social não devia ser promotora de uniões prematuras e forçadas entre adultos ou entre crianças. Uma sociedade sã não deviam tolerar isso.
Na óptica do interlocutor, ninguém deve interromper as etapas de desenvolvimento de uma criança. Esta tem o direito de crescer e se tornar um adulto.
Para a representante do Alto Comissariado do Canadá em Maputo, Isabel Blanco, o casamento infantil afecta 70 milhões de raparigas em todo o mundo. Na África Oriental e Austral existem 7 mil vítimas nesta situação.
Já em Moçambique, como é sabido, metade das raparigas casam antes de atingir 18 anos.
Segundo Isabel Blanco, a futura lei de combate às uniões forçadas deverá ser uma ferramenta poderosa para contornar este problema.
Uma vez aprovada a lei, “poderão surgir desafios relacionados com a sua implementação. Pesquisa demonstram que uma reforma legal é de difícil implementação com vista a impulsionar a mudança de comportamento”.
Na perspetiva da fonte, a dificuldade a que se refere tem a ver com a falta de vontade para intervir em casos de uniões prematuras, escassez de abrigos para as raparigas sujeitas às uniões forçadas, a falta de opções por parte das vítimas, sobretudo as que já tenham filhos e a falta de entendimento político sobre como lidar com as raparigas que manifestam vontade de permanecer “casadas”, pese embora consciente de que serão alvos de estigmatização na sociedade.
O combate efectivo às uniões forçadas e entre crianças depende em parte do entendimento das suas causas intersectoriais, disse Blanco, ajuntando que “o sucesso do anteprojecto ora em debate, assim como de qualquer outra lei, depende da disponibilidade de recursos para a sua implementação”.
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