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terça-feira, 20 de dezembro de 2016

Carta aberta à liderança do Credit Suisse: Escândalo dos créditos fornecidos Moçambique e ...

Em 2013, a filial londrina do banco Credit Suisse (CS) realizou, em cooperação com o banco russo VTB em Londres, diversas transacções de crédito com o Moçambique, totalizando mais de dois biliões de dólares. As consequências desses negócios foram fatais para este pais em via de desenvolvimento. Com US $ 1,04 biliões, o CS está envolvido em dois empréstimos que provavelmente foram usados, em parte, para a compra de armas. O banco admitiu que o Governo de Moçambique concedesse garantias estatais para os empréstimos. Estas garantias estatais são inconstitucionais, pois foram dadas sem a aprovação parlamentar prescrita pela constituição.

Entretanto, levaram Moçambique à insolvência. As poucas informações sobre a maneira como os empréstimos foram concedidos pelos bancos levantam sérias dúvidas quanto ao facto de os bancos terem cumprido a sua devida diligência (due diligence). Afinal o Credit Suisse confessa: "A responsabilidade empresarial e social está em nosso ADN." (anúncio publicitário do banco em vários jornais suíços, do dia 21/11/16). Apelamos ao CS que implemente esta confissão e a transforme em acções concretas.

Os créditos oferecidos pelo CS foram destinados para uma empresa de pesca (Ematum, US $ 500 milhões) e uma empresa de protecção costeira (Proindicus, US $ 504 milhões) que representaram braços prolongados do serviço secreto de inteligência (SISE). Estas empresas repassaram os empréstimos para um conglomerado em Abu Dhabi, proprietário de um estaleiro em Cherbourg, França, que deveria construir uma frota de navios de pesca, lanchas rápidas e barcos de patrulha. Contrariando o texto da Constituição moçambicana, estes empréstimos e mais dois outros, providenciados por bancos diferentes, foram concedidos com uma garantia do Estado, mas sem consulta do parlamento. Três desses empréstimos, somando US $ 1,4 bilhões, foram mantidos em segredo perante o público nacional e internacional, os países doadores, o Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial.

As verbas desembocaram em negócios pouco transparentes; há suspeitas de que boa parte foi investida em equipamento militar, e US $ 900 milhões desapareceram. Na época em que os créditos foram preparados eclodiu um conflito armado entre os partidos Frelimo e Renamo, que se intensificou mais tarde e levou milhares de moçambicanos a fugir para países vizinhos. Pouco depois do reescalonamento do crédito Ematum, em abril de 2016, descobriu-se a existência de outros empréstimos secretos.

O FMI, o Banco Mundial e o Banco Africano do Desenvolvimento suspenderam os seus pagamentos para Moçambique, e 14 países ocidentais (incluindo a Suíça) congelaram o seu apoio orçamental. Moçambique é um dos países mais pobres do mundo. Os empréstimos ocultos aumentam a sua dívida pública em 20 porcento e a conduzem para 93% do produto nacional.

Segundo os prognósticos, o serviço da dívida chegará a US $ 800 milhões por ano. Em 25 de Outubro 2016, o Moçambique declarou a sua insolvência ("debt distress"), e em 4 de Novembro acordou com o FMI a implementação de uma auditoria, limitada à um período de 90 dias. Faz sete meses que a Agência de Supervisão do Mercado Financeiro Suíço está tentando esclarecer o papel do CS.

O povo suíço está mal informado sobre o ocorrido, embora Moçambique seja um país prioritário da Cooperação Suíça para o Desenvolvimento. A recusa persistente pelo Credit Suisse em fornecer informações sobre o escândalo é pouco adequada para inspirar confiança. Instamos o banco e a Agência de Supervisão do Mercado Financeiro Suiço que apoiem activamente o processo de auditoria e que informem o público suíço o mais rapidamente possível sobre as medidas previstas para minimizar o prejuízo causado.

Consideramos de particular urgência que as seguintes perguntas sejam respondidas:

1) As empresas que solicitaram os créditos foram controladas pelo Serviço Secreto de Informação (SISE) e pelo Ministério de Defesa. Mídias críticas em Moçambique assumem que grande parte dos empréstimos foram gastos para a compra de equipamento militar. A primeira suspeita desse género surgiu em novembro de 2013, quando o conflito armado entre a Frelimo e a Renamo se intensificou.

Pergunta: Será que o CS acordou claramente o propósito dos empréstimos, excluindo a compra de armas?

2) Os títulos Ematum que a CS em Londres emitiu equivaliam a US $ 500 milhões e foram aumentados em US $ 350 milhões pelo banco russo VTB. Logo após receber o empréstimo solicitado, a empresa Ematum transferiu o montante total (menos as taxas bancárias de US $ 13,7 milhões) em duas parcelas para a empresa-mãe do estaleiro. Não é comum pagar somas tão grandes em sua totalidade ao contractante antes de verificar se o produto adquirido corresponde ao seu objectivo. O cliente tem o direito de suspender pagamentos ulteriores, se o ritmo ou a qualidade dos serviços prestados não satisfaz os critérios combinados. Uma vez que a frota para pesca de atum tinha sido entregue, ela se evidenciava prontamente como sendo defeituosa.

Pergunta: Quais são as condições que o CS especificou no contrato com Ematum, e para qual objectivo os US $ 350 milhões adicionais foram destinados?

3) Para conseguir um seguro contra o não-reembolso dos créditos, o CS em Londres exigiu uma garantia estatal por parte de Moçambique. O ministro das finanças do governo Guebuza assegurou essa garantia por contrato, mas ele omitiu a consulta do parlamento que a deveria ter consentido segundo a Constituição. O CS embarcou, portanto, num procedimento pela parte contratante que era ilícito e inconstitucional e negligenciou o princípio da separação de poderes. Com isso, o banco arriscou violar o princípio da boa fé e se expôs à suspeita de ter entrado em negócios em detrimento da população moçambicana.

Pergunta: Por que o CS não clarificou se o Parlamento concedeu a homologação exigida e se o país era capaz de atender a uma garantia estatal para empréstimos tão elevados?

4) Os créditos ocultos, somando-se a US $ 1,4 bilhões, foram mantidos secretos perante o público, o Parlamento, o Banco do Moçambique e, no plano internacional, perante o FMI, o Banco Mundial e os paises doadores. Antes da renegociação do empréstimo Ematum com os credores, em março 2016, o ministro das finanças do governo Nyusi declarou falsamente que não havia outros empréstimos moçambicanos secretos. Com esta declaração iludiu os credores da Ematum. Poucos dias depois, o Wall Street Journal revelou os empréstimos secretos.

Pergunta: Por que o CS não fez nada contra este jogo de ocultação?

5) Em sua relação com Moçambique, a Suíça oficial (Agência Suíça de Desenvolvimento e Cooperação e a Secretaria de Estado para o Desenvolvimento Econômico) revela atenção particular "sobre a boa governança, reformas institucionais e o reforço da apresentação de contas diante da população" (segundo um parecer da Executiva da Suíça perante o parlamento suíço, 09 de novembro 2016). Os negócios do CS com as empresas Ematum e Proindicus e a sua génese contrariam tal objectivo.

Pergunta: Como o CS, no seu papel de banco suíço, justifica seu procedimento contrário às prioridades da cooperação suíça com Moçambique ?

6) O Jubilee Debt Campaign inglês e o "Erlassjahr.de" alemão apelam para o CS Londres e o VTB Londres dispensar Moçambique das dívidas surgidas com as três operações de crédito. O CS e o VTB têm transformado o crédito de Ematum em valores negociáveis (Eurobonds) e os venderam, enquanto que desmembraram o crédito de Proindicus em parcelas que também venderam. Assim, em caso de renúncia à dívida, os bancos teriam que compensar todos os credores presentes. Mas isso não liberaria nem o CS nem o VTB da sua responsabilidade para com Moçambique.

Pergunta: Como é que o CS pretende cumprir os deveres correspondendo à sua responsabilidade pelo dano causado ao Moçambique (e aos credores)?

Esta carta aberta foi iniciada por Contraponto - Conselho de Política Económica e Social. “Contraponto” é uma associação política e economicamente independente de cientistas em universidades suíças nas áreas das ciências económicas, sociais e humanas.

A carta aberta termina com as assinaturas de 44 pessoas de renome com residência na Suiça (ex-parlamentares suiços, ex-embaixadores suiços no Moçambique, professores universitários, lideranças de ONGs e de órgãos da igreja).

Observações:

Esta Carta Aberta à liderança do Credit Suisse foi publicada na jornal semanal suiço Wochenzeitung (WOZ), dia 8 de Dezembro, p.6. Uma dúzia de jornais suiços publicaram relatos sobre a Carta Aberta e os eventos subjacentes.

As versões alemã e francêsa da Carta Aberta à liderança do Credit Suisse e três documentários detalhados, em língua alemã, sobre os créditos ocultos, as empresas envolvidas, o cronograma e as consequências estão disponíveis no site do “contraponto”: http://ift.tt/1TUfDGL (palavra-chave "Wirtschaft” [= economia])

Por: Thomas Kesselring

Tradução para o português: Thomas Kesselring e Luiz Carlos Bombassaro



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